“OS PRIMEIROS SOLDADOS” – As batalhas daqueles invisibilizados
Soldados são os que lutam na guerra, são tragados por ela, sobrevivem e ressignificam a vida, são os sujeitos mais conscientes que a vida toma significado da morte. Esta que se sobressai no campo de batalha, gritando para os soldados a todo momento que sim, eles “estão” vivos, eles não são. Ao colocar em seu poster um homem trajado de soldado e que está em uma guerra, o longa OS PRIMEIROS SOLDADOS não mente, ele traja aqueles que foram os primeiros a serem jogados no campo de batalha desconhecido que foi a luta contra o vírus HIV no início dos anos de 1980. Dessa forma, podemos nos adentrar nas fragmentadas imagens que terão a árdua batalha de transmitir para nós, como eram os campos invisíveis com seus soldados invisibilizados.
Na virada do ano de 1982, Suzano (Johnny Massaro) um biólogo que viajou pelo mundo, volta ao Brasil para passar mais tempo com sua irmã e sobrinho. Porém, como o sobrinho fala, parece nunca ter voltado, ele não se sente presente e acaba por se afastar mais e mais por causa de uma doença até então desconhecida.
A trama usa da ausência de informações em sua primeira metade para explorar intimamente as agonias do protagonista, ao mesmo tempo em que ele não expressa em palavras a dor pela qual está passando. Fica claro que algo está fora do lugar, um desconforto, dores. Em meio a isso acompanhamos paralelamente Rose (Renata Carvalho), uma mulher transexual que tem o atendimento negado no hospital simplesmente por ser quem é, e em um show de virada de ano dentro de um bar LGBT, escolhe cantar sobre solidão e rejeição, enquanto aqueles que ali estão desejam naquele momento, poderem sonhar com a felicidade no futuro. “dar pra ser feliz” eles cantam em resposta a canção de Gonzaguinha “Um homem também chora guerreiro menino” e nesse momento também conhecemos Humberto (Vitor Camilo) que está, como ele mesmo diria, “fazendo um exercício audiovisual”. Documentando aqueles momentos de Rose, como artista e pessoa. O olhar cinematográfico de Humberto, tem o poder de dar consciência da existência da câmera, colocando-a como parte desta narrativa, ela sendo o objeto que assume a existência daqueles pelas quais sua lente passa, desta forma, a direção de Rodrigo de Oliveira coloca em tela, estes personagens prontos para performar sobre as agonias dentro de si.
Há ainda mais poder, quando os registros desse magnifico objeto que permite a existência do cinema, passam a ser colocados em tela, é então, nesse momento que podemos presenciar a batalha pela qual esses personagens passaram e passam. O corte temporal que se faz necessário para a existência destes registros, é também potencializador das emoções que são levantadas, por termos em tela a felicidade e as dores dos que ainda estão e já se foram.
Rose, realmente é arte por expressão, ela é cantora e também alguém que sonha em estar no teatro, tem em monólogos para a câmera de Humberto, o poder de colocar a sua vida, tão invisibiliza, em holofote. Ela fala tanto da verdade quanto da mentira, com a paixão necessária para emocionar até o coração daquele soldado mais ferido, que precisa de forças para aguentar só mais um dia, um dia que seja, que vale sim a pena ser vivido. Pois os soldados que ali lutavam contra o HIV, mais do que ninguém, sabiam o valor da vida, para eles tão finita.
É certo que este mosaico em forma de documentário, passado para o sobrinho de Suzano, é a forma de garantir que eles não sejam esquecidos. O cinema se torna nesse ponto, essa forma de arte que garante para eles o prazer e a felicidade de mesmo depois de partirem, fazerem presença no Mundo, por mais que este tente os negar.
Sempre teimando em colocar em palavras, tudo aquilo que só é possível sentir.