“OS APRENDIZES” – Existência agridoce [MFFF 2025]

Os arcos dos personagens e as situações da trama de OS APRENDIZES misturam energias e sentimentos distintos. Em alguns momentos, o público pode se comover com os conflitos internos de Antoine. Em outras passagens, pode estampar reações descontraídas com reviravoltas cômicas e absurdas. A mistura agridoce de drama e comédia poderia ser ainda mais expressiva se fosse uma característica somente do estilo narrativo, mas não é o que acontece. A sensação também afeta a experiência da recepção do filme, um misto de recompensa prazerosa e apática.

Em uma viagem para a França, Antoine tem o sonho de emplacar a montagem de uma peça que escreve a tanto tempo. Nos EUA, ele deixou a namorada Valérie, com quem tenta se comunicar por cartas. Ao se mudar para a Europa, divide o apartamento de seu amigo com Fred, um jovem que não trabalha e vive de pequenos trambiques. A dupla cria uma amizade ao longo dos anos e tenta superar as dificuldades do cotidiano através de pequenos golpes, artimanhas inusitadas e experiências eróticas incomuns, enquanto lidam com desilusões sentimentais e lições dolorosas da vida.

A relação entre Antoine e Fred oscila entre as brigas motivadas por problemas comuns do dia a dia e a união de duas pessoas capazes de aprender a viverem juntas. O primeiro não consegue ter sucesso como escritor de teatro e precisa fazer serviços pontuais para uma pequena revista, já o segundo prefere a comodidade de uma vida sem trabalho embora finja ser um fotógrafo para se aproximar de uma jovem por quem se apaixona. Essa combinação faz com que Fred precise roubar comida e os dois precisem pensar em estratégias para não serem despejados de um apartamento prestes a ser vendido. Em compensação, eles se tornam companheiros importantes um para o outro e dividem momentos agradáveis, como a troca de confidências sobre o passado de ambos. As diferenças no convívio são mostradas na lógica da comédia dramática, mesmo que o primeiro gênero seja mais eficiente do que o outro.

Quando a narrativa utiliza o humor, o resultado é mais contagiante para o espectador. Isso porque o diretor Pierre Salvadori explora o absurdo das situações em si mesmas e do contraste entre o conteúdo das cenas e a decupagem escolhida. A dificuldade para conseguir dinheiro leva a uma sequência de roubo que se apoia no inesperado em relação aos erros cometidos na invasão ao local, no arrombamento do cofre, na fuga e na resolução após a descoberta do crime. O desejo de Fred de poder se relacionar com Agnes desencadeia novamente a ideia do inesperado devido ao surgimento de um relacionamento a três pessoas e de piadas sobre fetiches sexuais. Ao mesmo tempo, o cineasta contrasta uma linguagem clássica e naturalista com as duas situações absurdas aparentemente sem sintonia com o universo diegético visto até então. O efeito do choque é eficiente para reforçar o humor, já que a abordagem visual discreta potencializa a surpresa do que se vê.

Por outro lado, a construção do drama não tem o mesmo impacto bem-sucedido. Inicialmente, os conflitos em torno de Antoine são palpáveis e funcionam ao tematizar as expectativas frustradas de seus planos. A separação da namorada, o longo tempo sem vê-la e os insucessos profissionais trazem à tona uma camada dramática para sua personalidade que se distingue bem da faceta descompromissada do amigo. Mais adiante, a trama tenta carregar um pouco mais na depressão do personagem ao colocar em primeiro plano sintomas físicos e psicológicos para suas decepções amorosas, seus fracassos no trabalho e os obstáculos para as obrigações diárias. A mudança de rota para a narrativa tenta deixar o drama mais pronunciado do que a comédia, mas o desequilíbrio almejado não se concretiza plenamente. Por mais que os acontecimentos sugiram uma carga densa para Antoine, a atuação de François Cluzet e a encenação de Pierre Salvadori deixam no ar uma ironia nunca aproveitada e assim contraditória com o estado do personagem.

Dessa forma, o filme desperdiça seu melhor elemento: a interação entre os protagonistas. As divergências entre Antoine e Fred, as personalidades antagônicas e o aprendizado da convivência são a maior força da comédia dramática. François Cluzet faz o homem mais velho parecer uma reserva de lucidez ranzinza até suas preocupações coerentes sucumbirem às táticas absurdas de sobrevivência material e às decepções sentimentais. E Guillaume Depardieu transforma, gradualmente, Fred de um jovem inconsequente afeito a qualquer artimanha para viver comodamente sem precisar trabalhar para alguém preocupado com o amigo e decidido a ajudá-lo. Nos melhores momentos em que a dinâmica dos dois personagens fala mais alto do que, necessariamente, as situações vividas, a obra prospera ao insinuar um bromance entre eles. Nos piores momentos, a relação fica em segundo plano para que alguma esquete pontual seja enfocada ou o arco individual de cada um deles seja desenvolvido.

Em geral, a relação entre Antoine e Fred também é filmada dentro de códigos visuais naturalistas com uma decupagem clássica. Em algumas cenas pontuais, Pierre Salvadori se permite uma estilização um pouco maior da linguagem. São os casos das sequências em que Antoine imagina em um apartamento que eles pensavam em alugar uma família para ele e os dois amigos interagem com os figurantes enquanto caminham pelas ruas. Além de serem sopros de alguma criatividade visual – sobretudo, a segunda por causar surpresa no público pelas reações inesperadas de figurantes diante das ações dos protagonistas -, reforçam que o maior valor da produção está na amizade dos dois homens. Esse aspecto atravessa de maneira instável a narrativa entre idas e vindas que colocam a questão em maior ou menor destaque. Essa instabilidade afeta a sequência final que, pode até simbolizar a importância da reaproximação entre os dois após desavenças, mas não encontra o ápice do que “Os aprendizes” gostaria de passar.

* Filme assistido durante a cobertura da 15ª edição do My French Film Festival (2025), disponível em plataformas online como a Filmicca.