“OS AMORES DE UMA LOIRA” – A confiança buscada acolá é a mesma almejada aqui
* Filme assistido na plataforma da Supo Mungam Films (clique aqui para acessar a página da Supo Mungam Plus).
Não há nada mais valioso do que alguém em quem se possa confiar. A pessoa de confiança é aquela com quem se pode contar para passar um tempo, viver bons momentos, reclamar da vida, chorar, ter prazer etc. Era assim na Tchecoslováquia dos anos 1960 e é assim no Brasil de hoje: muitas pessoas sentem a necessidade de ter alguém para colocar uma aliança. A loira de OS AMORES DE UMA LOIRA é apenas um exemplo.
A jovem Andula quer um namorado, mas não um homem qualquer, ela procura um rapaz jovem e atraente que lhe dê atenção e carinho. O desejo é compartilhado por outras moças, o que faz com que seja arranjada a visita de um grupo de reservistas do exército à cidade de Andula, Zruc. O que o exército oferece, contudo, não está à altura do que as garotas sonham.
Diretor dos premiados “Amadeus” e “Um estranho no ninho”, Milos Forman tem em “Os amores de uma loira” seu primeiro sucesso internacional, indicado ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro pela Tchecoslováquia, em 1967. Mesmo que sem o brilhantismo de suas obras-primas, é possível perceber uma direção consistente e sem vícios ou excessos – como plus, uma sutil homenagem aos irmãos Lumière com referência ao pioneiro “A chegada do trem na estação”.
O filme começa com um rock e termina com uma versão de “Ave Maria”, elemento capaz de revelar a fluidez da obra, que tem momentos de romance, de drama e de comédia, nos três aspectos com grande qualidade. No papel de Andula está Hana Brejchová, atriz que não permite que a beleza a torne símbolo sexual na película, pelo contrário, a sensualidade da jovem está na sua inocência, reflexo da idade e da inexperiência. O plano em que Milda (Vladimír Pucholt, também ótimo) está com a cabeça cobrindo sua genitália é exemplo da proposta sensual da direção, que não quer expor desnecessariamente o corpo de moça revelando mais a nudez dele do que a dela. O motivo é claro: Andula não aparece completamente nua porque ela precisa ser sedutora (e não exibida), ao passo que é Milda quem tem um olhar puramente sexual na relação.
Ambos procuram alguém para se relacionar, mas em termos bastante distintos. Há uma cena em que Milda parece doce para Andula, repetindo que não tem uma namorada em Praga. Naquele momento, o casal parece falar o mesmo idioma. Na prática, contudo, ela se deixa levar por uma paixão inebriante, o que ele fala é o “canto da sereia” que ela tanto esperava ouvir. Milda também quer um relacionamento, mas algo efêmero o suficiente para não ter compromisso algum – ou seja, relacionamentos efêmeros. Embora ele não minta para ela, o ímpeto da moça em encontrar um amor a impede de enxergar a interação como ele enxerga. O mesmo ocorre do outro lado: embora ela não o avise de sua busca desenfreada, o ímpeto sexual do rapaz em satisfazer a libido o impede de enxergar a interação como ela enxerga. É até possível enxergar alguma má-fé da parte dele, dada a relutância dela, inclusive quando já estão na cama, porém é esse conflito que permite o desenvolvimento da trama.
Percebe-se também que o filme não ignora convenções e valores de sua época. Fala-se do quão preciosa é a “honra de uma garota” e da importância do casamento, da mesma forma que, por educação, Andula e suas amigas se veem compelidas a conversar com os três militares. Porém, alguns comportamentos não são distintos dos atuais, como se denota da prática de ghosting (desaparecer da vida da pessoa após um início de relação) por Tonda e a interpretação do olhar (ou da troca de olhares) como revelação de interesse (na sequência do baile). Ao ver uma mulher bonita, um policial é capaz de imitar um cervo (para uma licença poética com fins cômicos), como se isso o tornasse atraente. Ao saber que o filho está se relacionando, uma mãe adentra em pensamentos distantes que chegam a casamento e netos.
O charme de “Os amores de uma loira” está no equilíbrio entre o drama e a comédia, ambos amparados no romance. Milos Forman extrai risos da plateia criando personagens atrapalhadas (o garçom, o soldado que perde a aliança), mas não deixa de atribuir carga dramática a Andula, seja em seu passado (na relação com a mãe), seja no presente diegético (a discussão de Milda com os pais). O filme é leve, mas não vazio; reflete a sua época, mas consegue ser atemporal; é geograficamente localizado, mas nem por isso menos universal. As circunstâncias específicas podem ser diferentes e nem todas as pessoas são iguais em suas aspirações e interesses, todavia, de maneira geral, a confiança buscada acolá é a mesma almejada aqui.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.