“OPPENHEIMER” – Tristeza sem explosão
A despeito de suas virtudes técnicas inegáveis, OPPENHEIMER falha no que é mais básico em uma cinebiografia, que é retratar as personagens – principalmente o biografado – como pessoas. Ao invés disso, elas são testemunhas de um evento grandioso dentro de um cenário efervescente. O que prova tal conclusão é o fato de que a morte de uma personagem não tem impacto perante a plateia, o que não é fruto da sua irrelevância, mas da impessoalidade com que ela é trabalhada.
Em meio a seus estudos em mecânica quântica, J. Robert Oppenheimer é contratado pelo governo estadunidense em plena Segunda Guerra para desenvolver uma arma capaz de encerrar o conflito mundial. A História revela que o resultado é a bomba atômica, mas a história mostra quem era Oppenheimer antes do feito que o tornou célebre e o que houve com ele após Hiroshima e Nagasaki.
O filme de Christopher Nolan é inquestionavelmente uma obra de fôlego, não apenas pela sua duração extensa (três horas, que são cansativas, mas coerentes com a proposta), mas também por uma sequência fenomenal e certamente trabalhosa em razão do uso de efeitos práticos. Tudo seria mais fácil com efeitos digitais, mas Nolan simula os efeitos de uma bomba atômica e, mais do que isso, elabora uma atmosfera hipnótica para a sequência. Primeiro, o diretor cria a expectativa: as personagens se preparam e a trilha musical impulsiona o porvir ao criar tensão. Depois, ao invés de usar som realista (o “boom”), ele o posterga e aplica antes som diegético expressivo (a respiração), aliando a isso o uso de luz e tons de âmbar ao mostrar o que mais interessa. Como se não bastasse, há um viés mórbido na cena seguinte, em que a bandeira dos EUA aparece ao fundo não à toa. Há uma contradição entre o que é dito e a música, havendo uma dramaticidade crescente à medida que é explorada a subjetividade mental.
Outra cena que merece destaque é dividida entre Cillian Murphy e Gary Oldman, em que é criticada a banalidade da morte em contexto bélico, o que é enfatizado pelo superclose nos dois, além do bom diálogo. Murphy interpreta Oppenheimer em momentos distintos da vida, já que a narrativa do roteiro escrito por Nolan a partir do livro de Kai Bird e Martin Sherwin aborda três períodos distintos (início da trajetória, período da Segunda Guerra e Guerra Fria), de maneira não cronológica. O ator distingue tais períodos a partir do olhar, que é inocente nos primeiros e descrente no último. Murphy está muito bem, assim como boa parte do extenso elenco: Florence Pugh, Emily Blunt, Casey Affleck e Jason Clarke, dentre outros. Quem destoa é Matt Damon, que interpreta um militar insosso.
Lewis Strauss (Robert Downey Jr., ótimo) é praticamente o contraponto narrativo de Oppenheimer, razão pela qual Nolan distingue visualmente o arco de cada um ao usar fotografia preto e branco na narrativa protagonizada por Strauss. É de alta qualidade a fotografia do longa, principalmente ao destoar as cores foscas (acinzentadas e pastéis, em especial) dos laboratórios e dos figurinos do arenoso quase dourado do rancho e de Los Alamos, como se ali fosse onde Oppenheimer brilharia. Há, porém, um excesso de uso de imagens ilustrativas, o que se torna repetitivo.
O que é mais grave no filme, na verdade, é a frieza no trato das personagens, o que não deve ocorrer em uma cinebiografia. O protagonista é raso: no começo, suas perturbações não são justificadas; adiante, suas características são verbalmente enunciadas por outra personagem, mas não condizem integralmente com o que é efetivamente exibido. Suas motivações não são claras, sua personalidade é unidimensional. Quanto ao fato de ser judeu durante a Guerra pode servir de motivação inicial, mas não justifica seus atos posteriores. Quanto à sua inclinação política, a condição é fundamental no desenvolvimento narrativo, mas pouco é revelado quanto aos seus reais pensamentos. Por exemplo, ele é a favor da sindicalização dos pesquisadores, mas mesmo quando conversa sobre isso com Lawrence (Josh Hartnett), ele jamais fundamenta a defesa do sindicato. Além disso, é repetida a genialidade do protagonista, todavia faltam-lhe relações pessoais; seu irmão e as mulheres com quem se relaciona são meramente instrumentais. Uma delas, inclusive, surge chorando e ingerindo álcool, sem maiores explicações – nem maiores propósitos. Não há competência em mostrar quem foi Oppenheimer, mas apenas o que ele fez. As reflexões sobre as consequências éticas de sua obra se fazem presentes de maneira simbólica, em subjetividade mental, o que é positivo, mas aquém do ideal por pouco demonstrar como isso reverbera adiante na sua psique (nesse caso, os arcos da comissão de segurança e do senado tomam, majoritariamente, o espaço que deveria ser ocupado pela consciência do biografado, ratificando que eventos são mais importantes que personagens).
Na filmografia de Nolan, os filmes são mais plot-driven do que character-driven, mesma lógica aplicada aqui. Entretanto, “Oppenheimer” se propõe como uma cinebiografia, não podendo se limitar aos eventos que envolveram o biografado. O filme é tão preocupado no relato dos fatos que se torna frio tal qual a ciência estudada pelo seu protagonista. Estruturalmente inteligente e tecnicamente impecável, o longa é despido de emoção, como se fosse um documentário engessado no distanciamento entre quem documenta e o que é documentado. A triste explosão de que Oppenheimer foi pai não foi repetida por Nolan, cuja obra pode ser triste, mas não é explosiva.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.