“OLDBOY” (2003) – O que vem depois da vingança
Vinte anos após sua estreia, OLDBOY é relançado nos cinemas. Em 2003, a história de vingança de Oh Dae-su chamou a atenção não só na Coréia do Sul mas também ao redor do mundo. No ano seguinte, conquistou o Grande Prêmio do Júri do Festival de Cannes. E em 2023, pode novamente ser visto na tela grande ao ter a versão restaurada em cópia remasterizada a partir do negativo original em 35 mm. É a chance de rever ou conhecer a obra que discute o que acontece a quem se vinga em uma narrativa sob amplo domínio estético de seu realizador.
Oh Dae-su é um homem comum, casado e pai de uma menina de 3 anos. Na noite em que é levado alcoolizado para uma delegacia, ele desaparece e percebe estar, tempos depois, em uma estranha prisão. No que parece ser um quarto de hotel, recebe pouca comida, respira um gás que o faz dormir diariamente e tem uma TV como única companheira. Em um dos programas que assiste, descobre ser o principal suspeito do assassinato da esposa. Então, o homem começa a planejar uma fuga e uma vingança. Ele apenas não poderia imaginar que seria solto inesperadamente.
Park Chan-wook começou a ficar conhecido por sua trilogia da vingança. Além de “Oldboy“, o diretor também criou “Mr. Vingança” e “Lady Vingança“, outros dois filmes que têm tramas violentas e personagens vingativos em narrativas com identidades próprias. Na segunda parte da trilogia, o roteiro assinado pelo cineasta em parceria com Jo-Yoon hwang tem a originalidade de não especificar o acerto de contas como algo exclusivo do protagonista. Oh Dae-Su pode parecer imediatamente aquele que pretenderia se vingar de seus sequestradores, já que vai atrás de pistas sobre eles não se importando com o rastro de sangue que deixa pelo caminho. No entanto, o homem não seria, necessariamente, o único disposto a se vingar. Em meio à investigação, diferentes figuras cruzam sua jornada e influenciam nos passos seguintes, como a entrega de um celular por um transeunte e o envio de mensagens por um usuário desconhecido em um aplicativo de bate-papo virtual. Desse modo, todos os personagens são afetados pelo desejo de vingança.
Além do protagonista, Lee Woo-jin e Mido também sentem as consequências dos atos violentos. Muito mais do que tentar descobrir a identidade do raptor, a trama questiona as razões e a natureza da vingança. O que seria e o porquê são perguntas que tornam a narrativa melancólica e desesperançosa, evidenciando o apelo emocional de uma tragédia iminente. Cada um dos três personagens sofre com indícios simbólicos de solidão: Oh Dae-su é perseguido pelas frases “Ria e o mundo rirá com você. Chore e você chorará sozinho” do poema “Solitude” de Ella Wheeler Wilcox; Mido reflete sobre os motivos para pessoas solitárias alucinarem com visões de formiga e ela mesma vê uma formiga gigante em um vagão vazio de trem; e Lee Woo-jin é associado a uma narração em voice over que interpela o público sobre a possibilidade de uma vingança satisfazer os anseios do indivíduo. A gravidade, a ironia e a doçura das atuações, respectivamente, de Choi Min-sik, de Yoo Ji-tae e de Kang Hye-jeong contribuem para a delimitação de um sentimento geral de melancolia do qual não se poderia escapar.
Em um primeiro momento, as escolhas formais poderiam soar contraditórias para uma história soturna. Isso porque Park Chan-wook estiliza a narrativa de forma intensa e com uma energia que não combinam diretamente com certa expectativa de como a história poderia ser encenada. Essa estilização pode ser observada nas diversas técnicas formalistas empregadas que chamam atenção para a construção fílmica e buscam gerar respostas sensoriais variadas. O diretor pode até começar com sutilezas, exemplificadas pela cena em que um movimento de câmera próxima a uma cabine telefônica revela o desaparecimento do protagonista, mas avança para outras decisões mais estilizadas. Com o passar do tempo, ele acelera o fluxo das imagens para mostrar a perturbação mental de Oh Dae-su preso, cria raccords visuais para transitar entre distintas temporalidades, utiliza a profundidade de campo para aproximar dramaticamente determinados personagens, divide a tela para acompanhar ações simultâneas, encena a luta no corredor sem cortes para imprimir dinamismo e desgaste a este instante, insere traços gráficos para preparar a tensão e trabalha flashbacks integrados ao presente para indicar as continuidades do passado.
Da mesma maneira, o cineasta sabe como utilizar imagens ou situações chocantes como irrupção pontual de uma tragédia ainda maior que está por vir para retirar qualquer possibilidade de um futuro sadio para os personagens. O ato de engolir um polvo vivo, a tortura com a retirada de dentes por meio de um alicate e o corte de uma língua com uma tesoura são momentos que se enquadram nesse princípio sem seres apelativos ou gratuitos. Dentro do universo estabelecido por Park Chan-wook, cada sequência tem seu lugar para deixar todos vulneráveis aos planos de vingança em andamento. A construção de uma unidade estilística pessimista e destrutiva também se opera a partir do uso expressivo da cores nos figurinos e no design de produção. O violeta e o verde se repetem constantemente nas roupas de Lee Woo-jin ou Oh Dae-su, nas caixas de presente e na água na piscina da casa de Lee Woo-jin. Muito mais do que eventualmente possuírem sentidos prévios, as duas cores são utilizadas especificamente pela narrativa como símbolos de violência e destruição.
Mesmo que a estilização visual seja mais evidente por deixar a linguagem do filme menos transparente, o roteiro também utiliza recursos interessantes capazes de evocar um estilo próprio para a história de vingança. É verdade que o ato final se apoia em uma reviravolta que deixa a trama mais intrincada e pode despertar a curiosidade do público de repassar cada evento para perceber se haveria lógica na revelação. No entanto, a busca excessiva por explicações racionais pode enfraquecer os estímulos sensoriais que o diretor prioriza. Melhor do que verificar se tudo faria sentido é assimilar as pistas que o texto oferece para sugerir a existência de duas vinganças correndo em paralelo. Enquanto ainda está preso, Oh Dae-su ouve a reportagem de um programa de TV narrar o assassinato de sua esposa como um caso de vingança. Enquanto recebe ajuda de Mido, ele escuta uma menção à história “O conde de Monte Cristo” criada por Alexandre Dumas. E quando uma sequência é filmada na casa de Lee Woo-jin, a câmera rapidamente passeia por uma mesa e enquadra uma tesoura que terá importância posteriormente.
À medida que o passado vem à tona e o desejo de vingança leva Oh Dae-su a compreender a razão para sua prisão por quinze anos, o filme satisfaz a curiosidade por respostas para o mistério criado. Além disso, Park Chan-wook amarra a discussão temática que desenvolveu a respeito dos impactos da vingança com a culminância de que ela deixa qualquer um dos envolvidos fraturado, solitário e sem sentido para o resto da vida. Mido é envolvida em um conflito do passado do qual não teria qualquer responsabilidade e sofre com uma dor que não consegue discernir qual seria. Lee Woo-jin pode ter levado adiante a vingança planejada, mas não encontrou nenhuma satisfação a partir dali porque perdeu sua razão mórbida de viver. E Oh Dae-su se entregou a uma onda desesperada de ira, subserviência e humilhação sem volta que o fez tomar atitudes extremas com a ilusão de poder apagar seus traumas. No fim de tudo, “Oldboy” reafirma que quando uma vingança se inicia nada pode solucionar o mal que ela desencadeia. Assim, o esboço de um riso acompanhado pelo mundo esconde um choro solitário.
Um resultado de todos os filmes que já viu.