“OBSESSÃO SECRETA” – Fiel à sua própria modéstia
Mesmo não sendo ofensivo ao espectador, OBSESSÃO SECRETA é um festival de clichês e obviedades que se revela absolutamente descartável. O filme não consegue surpreender o espectador em momento algum, o que, paradoxalmente, é um de seus raros acertos.
A protagonista Jennifer começa o filme em desesperada fuga, até sofrer um acidente que faz com que ela perca a memória. Quando aparece seu marido Russell, ela desconfia que há algo errado, sem entender o porquê. Seu sofrimento começa quando sai do hospital e volta com ele para casa.
O título brasileiro do longa, tradução literal do título original, é um spoiler tão grande que esvazia a única potencial surpresa que o público talvez pudesse ter. De todo modo, o roteiro de Peter Sullivan e Kraig Wenman não se esforça para sair da linha previsível dos desdobramentos narrativos, com obviedades que quase chegam ao nível do risível. Parcela disso se deve aos diálogos pobres, por exemplo na preocupação descarada de Russell em saber se alguém além de Jennifer poderia saber o que aconteceu antes do acidente – afinal, não seria nisso que pensaria um marido verdadeiramente preocupado (embora o semblante de seu intérprete já seja sinal suficiente da real preocupação).
Com o desenrolar da narrativa, complicadores surgem como todos os clichês do subgênero: um aparente beco sem saída para a protagonista, dependendo de um fator externo para se salvar. Paralelamente a isso, um detetive investiga o acidente no qual Jennifer se envolveu, desconfiado que há algo errado. Dennis Haysbert tem a sorte de interpretar a personagem mais cativante da película: em casa, Frank tem um trauma pretérito que justifica a conduta fora dela; no trabalho, o detetive Page é um workaholic que chega a ser motivo de piada para um colega. O mais interessante é que seu backstory não é verbalizado, o que não impede que se compreenda o trauma sofrido (ainda que sem as minúcias) e a relação com seu comportamento de dedicação excessiva no trabalho.
Brenda Song é limitada por uma personagem cujo passado é desconhecido (até mesmo para ela) e cuja personalidade é reduzida em razão do enredo. Não há espaço para Jennifer ser conhecida, pois ela mesma não se conhece. Entretanto, a atriz tem o mérito de se esforçar e convencer um pouco no desespero. Mike Vogel sofre mais ainda, dado o maniqueísmo do script. E o que é pior nem é isso: há outras personagens, presentes no acidente sofrido por Jennifer, que aparecem em cenas tão efêmeras que acabam servindo não para a narrativa (isto é, não com função narrativa), mas para alongar um pouco mais os noventa e sete minutos da produção. Quando aparece um possível red herring, o roteiro o exclui, perdendo uma oportunidade de enganar o espectador (o que seria benéfico em se tratando de um suspense). Ou seja, sem muita história para contar, o texto foi esticado despropositadamente.
A música de Jim Dooley é padrão para o tipo de filme (suspense com perseguição), clichê ironicamente coeso com a proposta (o que, embora pareça, não é um elogio: há coesão, mas continua sendo clichê). A falta de criatividade do longa dirigido pelo corroteirista Peter Sullivan é tão eloquente que até mesmo o design de produção de Stephanie Hamilton é monotônico. A despeito de ser coerente a criação de cenários minimalistas, o excesso no uso de tons castanhos chega a ser incômodo – a casa já é de madeira, com adereços sempre em cores próximas, não havendo nenhum destaque visual que tire a monotonia dessa estética simplista.
Se “Obsessão secreta” decepciona por não surpreender, o filme ao menos não tenta reinventar a roda. Evidentemente, seria melhor que ousasse e fugisse dos clichês, contudo esses artifícios são empregados com tanta religiosidade que a obra pode ser considerada honesta. Se a proposta inicial é construída na modéstia, a fidelidade a esse princípio não ofende o público. Grosso modo: poderia ser pior.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.