“OBSERVADORES” – Do ruim ao pior
Em um contexto de exposição constante por mídias sociais e interesse na vida alheia, a ideia preliminar de OBSERVADORES, embora não original, não seria ruim. Com seu desenvolvimento, todavia, percebe-se que o filme quer ser muito mais do que realmente é e que o que realmente é não ultrapassa o nível do péssimo.
Thomas e Pippa estão felizes por passarem a morar juntos em um apartamento que lhes garantirá tudo o que procuram. Como um plus, descobrem que um casal vizinho costuma deixar a cortina aberta, permitindo que eles acompanhem suas intimidades. Depois de um receio inicial, passam a observar constantemente os vizinhos, o que se torna uma perigosa obsessão.
Se fosse o caso de elencar o que o longa tem de positivo, existe apenas um elemento: a trilha musical. Não que sua utilização seja boa, mas escolhas como “Eyes without a face” (Angel Olsen), “Desire” (Kamasi Washington) e “Glory box” (Portishead) o são. No mais, tudo é ruim ou péssimo, a começar pelo elenco, pois o que Sydney Sweeney, Justice Smith, Ben Hardy e Natasha Liu Bordizzo (respectivamente, Pippa, Thomas, Sebastian e Julia) conseguem oferecer é, no máximo, seus corpos nus (ou seminus).
A intenção do diretor Michael Mohan é criar uma obra sensual, porém a sensualidade não passa da sexualização (objetificação) de seu elenco. Existem ideias esparsas, como a fantasia de fauno (símbolo de libido) e o sexo concomitante entre os casais ainda no começo, contudo as tentativas não conseguem ser sedutoras. Na cena em que Pippa faz um exame em Julia, por exemplo, a ideia de que a oftalmologia tem conteúdo sexual é quase risível.
A filmagem de Mohan imprime doses robustas de voyeurismo (o nome original do longa, inclusive, é “The voyeurs”, expondo a falta de criatividade que não supera apenas a versão brasileira, “Observadores”). Nos minutos iniciais, Pippa é vista por uma fresta, se despindo, em um movimento que se aproxima até a fresta ser fechada. Sem capacidade de inovar, há praticamente uma recepção na cena em que ela está na banheira. Hitchcock certamente ficaria se remoendo no túmulo se este longa fosse comparado ao seu “Janela indiscreta”.
A filmagem do longa entende a aproximação como metáfora para a penetração simbólica de Pippa e Thomas na intimidade dos vizinhos. Quando os observam pela primeira vez, Sebastian e Julia aparecem em plano aberto, com uma visão panorâmica de seu apartamento. Quando Pippa observa Sebastian de cueca, o diretor opta por planos-detalhe (bíceps, mamilo, umbigo). Mais adiante, Pippa se imagina no apartamento junto a Sebastian. A progressão é óbvia e desinteressante, já que o envolvimento dos quatro é mais do que previsível.
A montagem é viciada em cortes por associação, abusando de transições que, na verdade, acabam não tendo significado digno de nota (por exemplo, a associação entre o gesto de explosão que Pippa faz na própria cabeça para a colega de trabalho e, no plano seguinte, fogos de artifício). Pior do que isso é apenas o roteiro, também escrito por Mohan, repleto de diálogos de baixíssima qualidade. É pouco provável que, logo depois da mudança, Pippa queira falar de filhos (ela espera se mudar para falar sobre isso pela primeira vez e logo na primeira noite). O mesmo se pode dizer do convite de Julia para tomar café, algo que, se não fosse um flerte, qualquer pessoa estranharia (aceitando ou não). Sobram falas sem sentido “o que é bom em comprar óculos é que você pode decidir quem quer ser” e conversas estúpidas (a de Pippa e Sebastian, que vai de pornografia a Esopo).
É difícil tirar uma discussão ética proveitosa em se tratando de um idiot plot. Pippa e Thomas vão da curiosidade (apenas olhar) para a imaginação (criando narrativas sobre Sebastian e Julia) e, depois, para o envolvimento (festejam quando Julia salva o marido de um engasgo). Somando-se a explicações questionáveis (o “ponteiro-laser”) ou ausentes (como Pippa teve acesso à impressora?), a abundância de coincidências (se não fossem os aparelhos caros e de difícil utilização de Thomas, Pippa ficaria frustrada por não poder ouvir os vizinhos; felizmente ele tinha o preparo e a experiência necessários) é ofensiva à inteligência do público.
O fato de o roteiro ser um idiot plot não é apenas óbice para reflexões sobre a aprovação (ou reprovação) do voyeurismo. Em razão de uma ambição desmedida, o texto cria plot twists em seu encerramento, tornando-se, além de idiota, absurdo. Reviravoltas são costumeiramente apreciadas pelo público, todavia elas precisam ser bem pensadas e estruturalmente bem encaixadas na narrativa; do contrário, elas prejudicam o que já era ruim. No caso de “Observadores”, o que era péssimo acaba piorando.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.