“O ÚLTIMO ÔNIBUS” – Calor pouco envolvente
Não são incomuns as histórias de rememoração do passado. O mergulho através das próprias memórias é sempre uma boa partida para o desenvolvimento de personagens complexas, perdidas entre o presente e a vida que lhes antecedeu. Esse também é o caso de O ÚLTIMO ÔNIBUS, drama que bebe dessa proposta mas que não oferece nada que o diferencie.
Após a morte de sua amada esposa, o solitário Tom resolve viajar para a sua cidade natal para honrar uma antiga promessa. Ao longo do caminho, a sua bondade é notada por aqueles com quem cruza, mudando a sua vida para sempre.
É sempre interessante o mecanismo de embaralhamentos de linhas temporais que obras como essa tentam emular. Na direção de Gillies MacKinnon, isso não poderia ser diferente. Do contraste entre o calor do contemporâneo e a frieza do antigo ao lapso que mistura o raciocínio do protagonista, são muitos os elementos da esfera aqui reproduzidos. Se isso ambienta o espectador em uma área familiar, ao mesmo tempo limita a inventividade do projeto.
Essa mesma deficiência se manifesta na trajetória do protagonista. Embora nos conquiste pelo carisma de Timothy Spall, a identificação com a sua figura é fragilizada por uma maior falta de obstáculos, que mesmo em sua órbita não interferem diretamente em sua trajetória. É como se a personagem se mantivesse em seu mesmo patamar de simpatia do começo ao fim, oferecendo poucos deslocamentos que justifiquem o contraste que tenta se colocar como motor propulsor da produção.
A obra acaba assim não exercitando o seu lado dramatúrgico, que mesmo pretendido em uma estrutura mais clássica, não atinge quaisquer graus para além de seu formato higienizado. A ausência do último poderia autorizar a obra a se pautar pela dimensão sensorial, propondo aos espectador uma relação mais livre com as imagens por ele apresentadas. Nisso surge a dimensão do filme que discute a cristalização de Tom como uma personalidade virtual.
Esse aspecto poderia encadear uma interessante discussão a respeito do caráter humano, posto ao lado da notável temática a respeito da mortalidade que evidentemente motiva o protagonista. Todavia, o seu uso também se concretiza artificialmente, aparecendo em pinceladas ao longo da trama e que pouco determinam, diretamente, a conclusão do projeto.
Isso tudo proporciona uma obra pouco interessada em suas próprias possibilidades, e que naufraga por se contentar com o lugar comum e a reprodução de imagens que, apesar de familiares, carregam consigo lampejos de uma possível, e nunca explorada, ressignificação.
Sendo assim, temos em “O Último Ônibus” a confortável jornada de um senhor caloroso de se acostumar, e ao qual é difícil ficar totalmente indiferente. A insignificância dos recursos que o orbitam, entretanto, é suficiente para que o filme se perca na memória tal como um passageiro que esquece em que parada deve descer.