“O TEMPO COM VOCÊ” – Encontro entre fantasia e realidade [21 F.Rio]
As animações japonesas costumam ter uma sensibilidade e criatividade muito próprias e distante de quaisquer comparações com outras nacionalidades. Em O TEMPO COM VOCÊ, essas características se evidenciam através de uma história que pode, simultaneamente, ser fantástica sem explicar tudo de modo realista, e híbrida entre fantasia e realismo. Portanto, a perspectiva vinda do trabalho de Makoto Shinkai é a articulação entre o imaginativo e a estrutura emocional de personagens envolvidos em jornadas absolutamente cotidianas.
O diretor e também roteirista acompanha os dissabores de Hodaka, um garoto de dezesseis anos que foge da casa dos pais em uma ilha isolada para Tóquio. Na grande e movimentada capital nipônica, ele sofre com a falta de dinheiro até encontrar um emprego em uma desconhecida revista interessada em casos fantásticos. Em razão disso, conhece a jovem Hina, capaz de interromper momentaneamente a constante chuva que cai sobre a cidade e trazer o sol de volta.
Imediatamente, Makoto Shinkai escreve um protagonista inserido em uma jornada cotidiana de rápida identificação: deixar o lar, precisar se sustentar em um local desconhecido e sozinho, enfrentar dificuldades de moradia e alimentação, começar a trabalhar e fazer os primeiros amigos que o ajudassem (os membros já participantes da revista, Keisuke e Natsumi), ser assombrado pelo passado na forma de policiais que o procuram por conta da fuga e se apaixonar por Hina. O percurso de altos e baixos vivido por Hodaka apresenta, a princípio, elementos bastante corriqueiros que poderiam pertencer a qualquer outro indivíduo em períodos e localidades distintos – a sucessão de situações e acontecimentos na vida do personagem é retratada por uma montagem acelerada em paralelo responsável por reforçar os dilemas, desafios, conquistas e infelicidades existentes.
Esse arco não se limita ao realismo e adentra na fantasia por enfocar o céu e as chuvas ininterruptas dentro de uma abordagem nada pragmática. O fenômeno natural assume uma caracterização misteriosa sem ser possível encontrar uma explicação racional; Hodaka e Hina usam a habilidade dela – recuperar o dia ensolarado – para atender clientes que os contratam através de um site em busca de alguma satisfação pessoal decorrente da mudança climática; as chuvas derrubam no solo criaturas transparentes que remetem a peixes; e o céu é descrito como um universo de lógica inventiva própria, que pode abrigar seres fora da imaginação humana. Os efeitos visuais acentuam as cores e as formas dos elementos naturais, criando uma atmosfera de fábula idealizada aos raios de sol intensos e calorosos, às águas das chuvas convertidas em um misto de verde e azul e até em outras substâncias líquidas, como as lágrimas, sob um aspecto grandioso.
Em termos dramáticos, o romance entre os personagens principais igualmente se combina ao fantasioso. É uma combinação que deixa o íntimo épico e o emocional poderoso, tudo isso porque os desejos e os sentimentos dos jovens são o que importa – certa dose de despreocupação com o que pode acontecer com o mundo ao redor que contagia o espectador a sentir o mesmo sem jamais parecer algo egoísta. Assim, a história assume um papel transcendental que dialoga com a cultura japonesa; as habilidades de Hina cobram um preço caro que repercute em todos; o impedimento do romance alcança uma escala grandiosa e compatível com o mundo à parte no céu; e a trilha sonora irrompe em momentos pontuais com acordes elevados que ressaltam a carga fantástica e imponente do que está em jogo.
Já do ponto de vista visual, o entrelaçamento entre realidade e fantasia não acontece rapidamente, mas acaba existindo à medida que a jornada dos dois jovens se aprofunda no universo fantástico. Inicialmente, o contaste entre os dias de chuva e os breves instantes de sol é bastante perceptível, cabendo ao primeiro uma paleta de cores dessaturada e tons lavados e frios, enquanto para o segundo uma iluminação mais quente e de tons mais realçados que imprimem vida aos efêmeros momentos de calor. Quando chega o terceiro ato, as imagens misturam as duas possibilidades anteriores, deixando os períodos de chuva envoltos em uma ambientação mais prazerosa e agradável – nesse momento, passa a haver uma dualidade entre o estado melancólico da história e o equilíbrio fino entre realismo e idealização.
Até mesmo quando o conflito central – a concretização ou não do romance de Hodaka e Hina a despeito das forças grandiosas que os envolvem – se encaminha para uma conclusão, o subtexto também se relaciona à perspectiva básica do filme. Fantasia e realismo se encontram para trabalhar a inferioridade da humanidade frente à magnitude do que o rodeia, sejam os elementos fantásticos, seja a própria natureza. Da boca de vários personagens saem frases como “o céu é algo mais misterioso do que os homens podem supor conhecer” e “a situação (das consequências da chuva) já está assim antes de vocês aparecerem”. Desse modo, um caso de amor e o desenvolvimento de dois adolescentes são tão expressivos que nem a realidade consegue explicar totalmente.
*Filme assistido durante a cobertura da 21ª edição do Festival do Rio (21th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.