“O SOLDADO QUE NÃO EXISTIU” – A imaginação vem do viver
A missão de criar alguém é um exercício de imaginação. Na empolgação da mentira, as projeções do que foi uma vez desejado pode acabar por fluir em meio a rodas de planejamento. O grau de “realismo” logo é o que há de verdadeiro dentro dos criadores de um personagem. Em O SOLDADO QUE NÃO EXISTIU, podemos então entrar em contato com um eu negado pelo círculo de protagonistas que, como espiões, acabaram por negar em suas vidas suas subjetividades. Mas e a missão, com ela é possível se importar?
Dois soldados britânicos da inteligência criam um plano para enganar os nazistas em um dos frontes de batalha na Segunda Guerra Mundial. Sua ideia é criar um falso soldado que estaria transportando informações erradas sobre a movimentação das tropas inglesas.
Enquanto Ewen Montazac (Colin Firth) tenta nessa missão superar os laços familiares que parecem afastá-lo daquilo que mais parece importar para ele, fazer seu trabalho, Charles Cholmondeley (Matthew Macfadyen) procura legitimar sua própria existência por esse meio, afinal a sombra do sacrifício de um irmão que lutou nas frentes de batalha vai fazer mesmo um membro condecoradoparecer pequeno perante a sombra de um ausente. Como parceiros, então, tomam como prioridade este plano e, partindo do imaginar de um soldado não existente, projetam na imaginação o romance de guerra perfeito. A tragédia de um soldado que morreria com uma carta de sua amada no bolso seria o Cavalo de Tróia que faria os espiões nazistas darem o sentido da vida para aquele corpo.
A abordagem mais fria da fotografia, que varia de tom dependendo dos espaços, exalta o contraste entre os bares onde também acontece o planejamento e os escritórios em que as reuniões se tornam mais cruas e conflituosas. Porém, John Madden falha novamente em criar uma montagem de avanço de temporalidade que não afaste o espectador dos personagens. A necessidade de elevar os personagens através da missão, em mais um longa retratando historicamente outros lados da guerra, torna enfadonha a jornada de acompanhar os personagens. Falta a destreza de tencionar ainda mais os dramas pessoais e, assim, tornar a criação do soldado fictício o gatilho emocional que leva à tona as emoções tão contidas sentidas por espiões.
O filme chega a perder tempo na construção de uma carta entre dois grandes comandantes que precisa ser criada, para logo em seguida o conflito ser resolvido de maneira simples e nada interessante – qual é então o propósito deste tempo de tela? Parece que é apenas registrar um ocorrido histórico. Porém, se for por isso, que se adentre em documentários. Poderia então culpar Michelle Ashford por essa falha na elaboração do roteiro, mas por fim é o diretor que decide o corte final e dá unidade ao longa, além de que este tipo de percalço narrativo é bem recorrente dentro das obras do cineasta.
O drama ainda assim é interessante, não diria instigante, por perder justamente a oportunidade de mergulhar de maneira poderosa nas conjecturas que os personagens poderiam fazer em conjunto ao criar este soldado – inclusive seria um ótimo exercício metalinguístico, onde a audiência presenciara a importância de uma conexão emocional para a aceitação maior na criação de um personagem fictício, criando assim brechas na exigência lógica daquele que recebe a obra. Ou seja, era tão ou mais importante conectar-se emocionalmente com o romance “vivido” pelo soldado fictício quanto ter registros oficiais do mesmo. O problema é que, ao mesmo tempo em que os protagonistas afirmam isso, o próprio filme parece não conseguir explorar bem essa relação. Afinal, o triângulo amoroso criado entre os dois protagonistas e a assistente Jean Leslie são tão desinteressantes que o momento mais poderoso do filme vem da leitura de uma carta escrita por uma quarta personagem que parece ali externar as dores causadas pelas perdas de uma possível vida que teria existido sem a guerra. Por fim, a tela é tomada com letreiros registrando o que ocorreu com cada um dos personagens até o fim de suas vidas, uma tentativa fraca de reforçar a base em fatos.
Sempre teimando em colocar em palavras, tudo aquilo que só é possível sentir.