“O SEGREDO DOS SEUS OLHOS” – Closes para outros tempos
Em O SEGREDO DOS SEUS OLHOS, os closes são os planos mais significativos por diferentes razões. Em geral, servem para enfatizar as emoções dos personagens em alguma cena que exponha diretamente a primeira camada emocional. Porém, o diretor Juan José Campanella e o diretor de fotografia Félix Monti buscam um efeito dramático ainda maior: os olhares articulam os subtextos de cada conflito principal e a passagem do tempo na narrativa para abordar possibilidades do passado no futuro.
Tomando como base o livro “La pregunta de sus ojos“, o roteiro escrito pelo cineasta e por Eduardo Sacheri (autor do romance) segue Benjamin Esposito após sua aposentadoria do cargo de oficial de Justiça de um tribunal penal. Aproveitando-se do tempo livre, ele se dedica a escrever um livro baseado na sua investigação de um caso de estupro e assassinato de Lilian, o que desencadeia lembranças do passado. Naquele período, conheceu o marido da vítima, Morales, e contou com a ajuda de seu melhor amigo, Sandoval, e com a da chefe por quem nutre uma paixão secreta, Irene.
Antes de explorar o aspecto de mistério da trama, Campanella nos familiariza com a época em que o protagonista trabalhava no tribunal. São muitas as sensações que percorrem o ambiente: o humor resultante da dinâmica entre Benjamin e Sandoval (este sempre disposto a atender o telefone com alguma piada); o drama construído também a partir dessa amizade, já que Sandoval é alcoólatra, e das divergências entre as distintas seções do local em relação a quem cuida de cada caso; e o romance não concretizado entre o protagonista e Irene, aparentemente impedido pelas diferenças de idade, condição financeira e pelo namoro dela com outro homem. É interessante notar como somos apresentados àquele cenário e às suas relações pela montagem do próprio diretor, que transita entre passado e presente claramente através da leitura (olhar) do livro por diferentes pessoas durante sua escrita – um recurso que reforça uma apresentação subjetiva e parcial daquele tempo.
Por mais que o desenvolvimento da história indique como os personagens se relacionam, são os closes nos rostos dos atores que fornecem o subtexto oculto do que a cena evoca. Como o Benjamin mais velho comenta, os olhos revelam muito ou informam que a paixão não muda apesar do passar dos anos, como Sandoval diz. Pode ser o vício em bebida registrado no olhar de Guillermo Francella para Sandoval ou a expressividade das fisionomias de Ricardo Darín e Soledad Villamil para transmitir discretamente o amor entre seus personagens. É assim quando os closes captam a frustração de Irene por não receber a declaração de amor que esperava no escritório em dado momento; e a incapacidade de Benjamin de se declarar em uma cena na estação de trem – nesses dois exemplos, os diálogos apontam para um sentido enquanto a câmera registra uma segunda camada voltada para uma paixão não consumada.
No outro núcleo narrativo, o entrelaçamento entre closes e paixão prossegue mesmo que envolva dimensões distintas. A investigação policial e os desdobramentos judiciais do crime englobam três figuras que podem ser analisadas por seus olhares: o primeiro enquadramento da vítima mostra tanto seus ferimentos quanto o semblante doloroso e sofrido; seu marido constantemente traz um misto de amor pela mulher, saudade pelo afastamento radical e angústia pela perda trágica em sua fisionomia; e o principal suspeito é descoberto devido a um olhar denunciador de seus interesses e, mais tarde, se complica novamente por conta do modo como direciona seu olhos para as autoridades. As três manifestações particulares de “paixão” atingem o protagonista que teme ceder às suas emoções, levando-o a apenas observar sentimentos doentios e violentos, aflitivos e melancólicos como algo externo a ele. A paixão, portanto, não precisa ser o amor romântico, mas a liberação de uma carga emocional intensa.
O próprio filme parece sacudir Benjamin do torpor sentimental em que se encontra, tentando fazê-lo expressar algo mais significativo. Ao longo da investigação, o ritmo predominante é lento e contemplativo tal qual o principal investigador e as etapas do trabalho (mesmo nos instantes em que alguma descoberta é feita, a decupagem é metódica e sem grandes sobressaltos). Contudo, quando uma pista aponta para o time de futebol do Racing, os oficiais de Justiça passam a frequentar o estádio em dia de jogo e sentem a atmosfera da torcida. Campanella filma a ambientação da partida, a comemoração de um gol e o trabalho de Benjamin e Sandoval através de um plano sequência que começa com uma tomada aérea do lugar e atravessa todo o espaço com uma câmera que segue os personagens com grande energia – o dinamismo de toda a sequência parece querer acordar um protagonista tão temeroso.
Contrastando com o período em que ainda estava na ativa, o Benjamin vinte e cinco anos mais velhos demonstra ter mais empenho para buscar o que faltou em sua vida: esclarecer definitivamente o crime que investigava e se declarar para a mulher que ama. Mais uma vez, os closes atendem a esses propósitos ao estabelecer que o passado poderia ser enfrentado de outras maneiras que não a simples impressão de que ele já aconteceu e ponto final. Diferentemente das afirmativas de Irene e Morales (“devemos enterrar o passado”), o protagonista segue na jornada de rever os eventos passados sob outro olhar para produzir um novo futuro. Esse alternância entre tempos ressignifica sua compreensão das emoções e das visões de mundo, percebendo que o olhar pode disfarçar sentimentos (metaforizado pelos óculos usados por Morales), enfim dar vazão à sua paixão (representada pela maior segurança com Irene) e sair do temor para o amor.
Um resultado de todos os filmes que já viu.