“O REI DA COMÉDIA” – Atuação desesperada
O show business parece ser um universo idílico de fama e sucesso se as atenções estiverem apenas no palco em frente às câmeras. Se, por outro lado, o alvo for os bastidores, a condição é completamente outra e nem um pouco romantizada: o trabalho exaustivo, a falta de privacidade, a obsessão dos fãs e os delírios de grandeza. Essa dimensão não idealizada está presente no estudo de personagem feito em O REI DA COMÉDIA, uma comédia dramática sobre as atuações desesperadas rumo ao triunfo artístico.
O personagem a ser analisado é Rupert Pupkin, um aspirante a comediante obcecado em se tornar o “rei da comédia”. Quando se encontra com seu ídolo, o consagrado apresentador de TV Jerry Langford, ele pede para fazer uma participação no seu prestigiado talk show. As sucessivas recusas que recebe não o fazem desistir do sonho, levando-o em uma jornada doentia na busca pelo que tanto almeja: o sucesso a qualquer custo.
As celebridades estão inseridas em um mundo no qual o desespero pode guiar as relações entre artistas e admiradores, sentimento evidente na primeira sequência. A saída do estúdio de Jerry Langford em direção à casa enfrenta muitas dificuldades provocadas pela multidão de fãs enlouquecidos à sua espera – são dezenas de pessoas querendo uma foto, um autógrafo ou simplesmente encostar no comediante que impedem o deslocamento de Jerry, se acotovelam caoticamente e têm atitudes extremas, como uma mulher que esconde no carro para ficar próxima ao seu ídolo. Tais absurdos são realçados ao longo da narrativa pela atuação de Jerry Lewis, capaz de evocar a imponência de sua fama e o cansaço de andar pelas ruas sendo abordado por pessoas inconvenientes ou loucas (exemplificado por uma senhora que lhe deseja o pior quando se recusa a falar com o filho dela por telefone).
O desespero também envolve a caracterização de Rupert Pupkin feita com excelência por Robert de Niro. O ator constrói minuciosamente o sentimento obsessivo que preenche sua busca pelo sucesso e pelo reconhecimento da plateia: a postura excessivamente autoconfiante de quem se julga um excelente comediante (apesar de nunca ler seus textos ou sequer se apresentar); a mania de grandeza de quem não quer começar em apresentações menores, mas já em um grande programa televisivo sendo chamado de “rei da comédia” (duvidando, portanto, de que precisaria realizar melhorias em suas performances); e as simulações para criar outra identidade para si, tendo, por exemplo, uma intimidade forçada com Jerry, que se sustentam em mentiras que ele mesmo parece acreditar quanto mais as repete.
A construção de uma nova persona faz com que Rupert Pupkin dê sinais de estar atuando durante toda sua vida. É assim que ele interagem com os outros personagens, como se estivesse se apresentando em um palco: convive com Masha, outra fã obcecada de Jerry, forjando uma intimidade com o comediante somente para parecer alguém especial; tenta conquistar Rita fingindo ser amigo do astro e, assim, se colocar na mesma posição de prestígio do ídolo; e se esforça para se aproximar de Jerry, insistindo no talento que julga ter, mesmo ouvindo opiniões contrárias. A vida real escancara suas máscaras em várias situações, desde suas inconvenientes idas ao escritório do comediante, até os fracassados ensaios em casa atrapalhados pelos protestos da mãe diante do barulho feito no porão. O desempenho de Robert de Niro também acentua a artificialidade do personagem, através dos constantes trejeitos movendo os braços ou ajeitando a gravata.
Desespero e atuações ininterruptas são as duas marcas principais do protagonista que se fundem constantemente na narrativa. Martin Scorsese adiciona ao fluxo narrativo linear algumas cenas da própria imaginação de Rupert, nas quais ele é reconhecido pelo público, aprovado por Jerry devido ao ótimo texto e às suas qualidades superiores e imerso no cenário de fama do show business. Inicialmente, o filme expõe os contrastes entre realidade e delírio, deixando claro através da montagem o que é cada um. Com o passar do tempo, esses diferentes tipos de cena se alternam naturalmente, confiando na capacidade de diferenciação dos espectadores e indicando o quão obcecado ficava o protagonista.
Apesar de trazer no tema e no gênero a comédia, a produção não se apoia em um tipo de humor criado a partir de piadas recorrentes e gargalhadas dos espectadores. Em geral, ele é construído pelo desenvolvimento da trama e dos arcos dos personagens, expondo as contradições absurdas entre a realidade e as projeções fantasiosas da mente de Rupert e as consequências extremas das ações do protagonista e de Masha em busca de sucesso ou de um relacionamento com Jerry. Contudo, ocasionalmente, Scorsese investe em piadas não tradicionais, como se vê na conversa entre Rupert e Rita no restaurante quando um figurante tem reações cômicas no fundo do quadro e na leitura de cartazes durante um momento dramático do terceiro ato – características que podem ser explicadas pela preocupação do diretor em criar uma narrativa complexa e não apenas de riso fácil, exemplificada pela atenção dada ao design dos cenários e pelo expressivo uso das cores vermelha e roxo.
Desse modo, “O rei da comédia” se coloca como uma comédia dramática porque não se restringe à leveza da comédia e também envereda por uma abordagem séria. A partir do destaque que Scorsese dá a algumas imagens (o estúdio improvisado no porão da casa de Rupert com desenhos de Jerry e de seus convidados e a pintura de uma das paredes com a plateia rindo e aplaudindo) e, principalmente, ao significado do texto finalmente apresentado pelo protagonista no terceiro ato, se torna claro o caráter destrutivo da luta desenfreada pelo sucesso na lógica do “mais vale ser rei por uma noite, do que um idiota a vida toda”. Uma ironia fina trabalhada pelo diretor, que encontra seu ápice simbólico no forte e infeliz desfecho.
Um resultado de todos os filmes que já viu.