“O REFÚGIO” – Relações corrosivas
Dentro de um invólucro elegante cujo conteúdo deixa a desejar, O REFÚGIO trata da antiga lição segundo a qual “dinheiro não traz felicidade”. Mais precisamente, ele modifica um pouco essa ideia ao defender que a aparência de dinheiro traz infelicidade. A direção não é ruim, mas o roteiro é decepcionante.
Rory é um empreendedor que convence Al, sua esposa, a se mudar com ele e os filhos para Londres, no que ele chama de “oportunidade”. Apesar do receio, ela aceita a mudança, o que acaba distanciando os membros da família não apenas do lar estadunidense, mas também de si mesmos.
Ao lado da personalidade de Rory, o choque cultural é o que sustenta a narrativa. Segundo Rory, enquanto que, nos EUA, todos acreditam que podem ser o que quiserem; na Inglaterra, as pessoas devem se encaixar em seu status de nascimento. No subtexto, o diretor e roteirista Sean Durkin retrata a Inglaterra como um país prosaico e ultrapassado em termos de mentalidade, o que fica evidente também pela fotografia, que é mais sombria e depressiva após a mudança. É verdade que é a mudança o ponto de partida para a atmosfera depressiva e também é verdade que Rory não é o melhor parâmetro, todavia o que fica nas entrelinhas é que o american way of life é o caminho da felicidade. Do contrário, a família já estaria infeliz antes mesmo da mudança, isto é, o que mudou foi o país em que residem, não Rory, que se manteve o mesmo.
Rory é uma personagem ambígua: ele quer dar aos filhos uma vida melhor do que a que teve, porém o custo para isso é a corrosão das relações familiares. Primeiro, Sam (Oona Roche) diz para a mãe que sabe que a nova vida é difícil também para ela. Al é a âncora da família, ou seja, alguém que consegue ver as coisas como elas realmente são (ou estão). A maternidade em relação a Sam se torna dificultosa; na adolescência, a garota fica indignada com o fato de a mãe submeter-se à decisão do marido. Ben (Charlie Shotwell) parece estar em situação mais tranquila, o que, na verdade, é ainda mais ilusório. Na vida anterior, Ben joga futebol em um pequeno espaço com um amigo e até com o pai (o que acaba sendo uma contradição: Rory passou a ser workaholic só por respirar ares britânicos?); em Londres, o menino tem um gramado maior, mas joga sozinho.
Sam se torna o arquétipo da adolescente revoltada, ao passo que Ben é o garoto introspectivo sobre o qual pouco se sabe. Jude Law está bem como Rory, em especial em seu perfil vendedor: para convencer a esposa a ir para Londres, vende a imagem de uma vida melhor, pintando na tela uma oportunidade da qual ela imediatamente desconfia; na casa nova, Led Zeppelin talvez sirva para fazer Sam se interessar; com Arthur (Michael Culkin), novamente o discurso da oportunidade é sua principal arma. Não por outra razão, ao reencontrar um familiar, Rory faz questão de esbanjar luxo, riqueza e felicidade – ainda que não tenha nada disso e saiba dessa circunstância. O que importa para Rory não é ser rico, mas parecer rico.
A demora para Al perceber as visões distintas de mundo causa estranheza, mas é onde reside a mola propulsora da narrativa. Ao afirmar que “merece isso” (o que encontra em Londres) por ter tido uma infância ruim, Rory quer que a esposa sinta empatia, porém Carrie Coon exibe em Al uma acidez crescente. A paciência que ela teve nas quatro mudanças em dez anos derrete paulatinamente e ela se torna raivosa (ao assustar os animais) e vingativa (ao humilhar o marido no jantar, em retorno pelo que tem vivido). Ela não quer um marido que a leve para jantares caros (pagos com que dinheiro?) com desconhecidos e que lhe dê um belo casaco de pele de presentes, mas um marido que demonstre um sentimento mínimo pelas suas emoções.
“The nest” (no original) é um filme sobre um casamento que se torna danoso para o casal e para os filhos. A ideia é boa, contudo a direção não consegue dar bom ritmo a uma narrativa extremamente tímida e de pouquíssimos avanços, o que resulta em um filme consideravelmente entediante. Existem cenas alongadas em demasia e desnecessárias, além de um flerte inútil com o suspense (o que se eleva com a trilha musical que transmite estranhamento). A atmosfera, por sinal, é de suspense, mas a frágil narrativa, permeada por lacunas (por que Rory se afastou da família? Por que Al não gosta de Arthur?), não permite que o longa passe de um drama franzino.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.