“O PROTETOR 2” – Memória
Não é à toa que o livro que Robert está lendo é “Em busca do tempo perdido”, de Marcel Proust. A obra clássica é multitemática, tendo, contudo, como matéria comum, a memória. Proust chega a usar o recurso da analepse, que, na literatura, é sinônimo do flashback do cinema. Entretanto, em O PROTETOR 2, o passado de Robert é de fácil dedução a partir dos elementos fornecidos, sem necessidade de expor o pretérito.
Apesar de se tratar de uma continuação, “O protetor 2” tem muito mais sobre o backstory do protagonista do que o primeiro filme, mesmo sem fornecer todas as respostas. Nesse sentido, o papel de Vivienne, sua falecida esposa, adquire maior importância, além de haver um contato mais próximo com a função que antes ele exercia. Melissa Leo retorna bem no papel de Susan, agora muito mais relevante no plot, ao invés de constituir um mero facilitador de roteiro. O tema da obra agora é mais clichê que o da anterior, porém não será abordado aqui, para evitar spoilers. Basta dizer que Robert continua sendo um justiceiro, alguém com habilidades especiais que ajuda anonimamente pessoas desamparadas e desesperadas.
Não se pode negar que os furos de roteiro, já presentes no longa de 2014, são repetidos no de 2018 – uma cômoda tempestade justamente quando necessário, além de habilidades sobre-humanas. Entretanto, salvo uma sequência de ação pura, desconexa do enredo, o roteiro, novamente escrito por Richard Wenk a partir da obra de Richard Lindheim e Michael Sloan, passa por um considerável upgrade. Alguns elementos estruturais do script são repetidos – uma vítima, um apadrinhado, armadilhas montadas para vencer o antagonista e seus capangas etc. -, porém o texto é muito mais rico, mediante tramas paralelas interconectadas.
Assim, as personagens acabam tendo seu arco dramático em cruzamento com o de Robert. Os coadjuvantes são mais críveis e melhor desenvolvidos no texto: Susan é uma aposentada que continua trabalhando (e se arriscando); Vivienne é um luto não superado pelo protagonista, um devoto viúvo (cuja devoção é materializada pela aliança); Miles é o apadrinhado que tem muito a aprender – e assim por diante.
No caso de Miles (interpretado por um impecável Ashton Sanders), trata-se de um jovem facilmente influenciável que tem em Robert a oportunidade de seguir um caminho honesto, a despeito das condições de vida desfavoráveis, que ele reconhece e que Robert não nega. Considerando isso, o herói oportuniza-lhe um início de vida digno e próximo do que o jovem sonha, precisando recorrer a uma tática antiquíssima de lição de moral, ensinando até o modo correto de se comportar (como não falar palavrões e não se sentir confortável em demasia na residência alheia). Diferentemente do apadrinhado do primeiro filme, aqui há uma personagem com camadas densas. Ralphie era um marginalizado por ser latino, Miles é um marginalizado por ser negro. Ambos não encontram boas oportunidades na vida, todavia Miles é muito mais facilmente seduzido pelo caminho da criminalidade, o que faz dele uma personagem mais complexa.
É com Miles, inclusive, que o roteiro de “O protetor 2” se torna mais denso: primeiro, pelos diálogos tensos; segundo, pela metáfora da pintura, como uma oportunidade de fazer o certo ainda que outros façam o errado; e terceiro porque faz parte da maior dramaticidade que a película ganha, quando comparada à anterior. Nesse sentido, a atuação de Denzel Washington é também melhor no critério comparativo, já que seu lado humano e paternalista, excluído o lado super-herói, aparece mais vezes. A cena em que recebe uma ligação de Brian (Bill Pullman), por exemplo, é uma amostra do enorme talento dramático de Washington – além, é claro, da intensa conversa entre Robert e Miles. Ou seja, o protagonista é melhor lapidado dessa vez, inclusive em relação ao seu lado humano, já que fica comovido pelas histórias com as quais tem contato em razão do novo trabalho.
A despeito de haver maior drama no filme, ele não deixa de fora a ação. O ritmo eventualmente fica um pouco mais lento, mas Antoine Fuqua faz um bom trabalho na direção – por exemplo, a cena de luta dentro do carro é excelente na dinâmica, enquanto a repetição estilística do modus operandi de Robert (slow motion e cronômetro, dentre outros elementos) é diminuta, para não cansar. Fuqua utiliza establishing shots diagonais (inclusive em cenários fechados) e soluções visuais criativas (como espelhos) – ainda que não originais -, sem apelar para o lado gore da violência, tampouco atenuá-la. Há uma cena de subjetividade mental em que Robert revê eventos de um crime como se estivesse no local que é simplesmente formidável. A fotografia, diversamente do primeiro longa, é mais clara e alegre, reflexo dos inimigos que o herói enfrenta, que não são criminosos por profissão (como os mafiosos).
Em se tratando de uma continuação, a comparação é inevitável. “O protetor 2” supera o anterior em quase todos os aspectos, verticalizando na vida do protagonista, que se torna mais humano (enfrentando “apenas” alguns malfeitores, não a máfia russa) e cercado de coadjuvantes mais apurados pelo roteiro. O antagonista é óbvio, mas quem espera ação desenfreada liderada pelo implacável Robert McCall vai deixar o filme de 2014 na memória e aguardar ansioso pelo terceiro.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.