“O PÁLIDO OLHO AZUL” – A frieza da criatividade ausente
Não são poucas as adaptações de grandes autores que tentam dimensionar a atmosfera de seu material de partida. Munidas de amplas ferramentas criativas, elas encontram no cinema uma forma de traduzir o literário em imagem, capazes de especificar aspectos mais abstratos através da concretude própria do imagético. Em certos casos, entretanto, o último se rende totalmente ao poder estético, sendo esse também o caso do recente O PÁLIDO OLHO AZUL.
Nos Estados Unidos dos anos 1830, uma série de assassinatos em uma Academia Militar chamam a atenção do detetive Augustus Landor. Auxiliado por um jovem Edgar Allan Poe, soldado que trabalha como poeta nas horas vagas, ele embarca em um mistério que parece estar além da racionalidade, desafiando os limites entre a moral e a expressividade humana.
Com base na obra homônima de Louis Bayard, é interessante como a direção de Scott Cooper destaca o clima soturno da ambientação, articulando como o mesmo teria influenciado a percepção imaginativa do notável Edgar Allan Poe. Embora a personagem de Harry Melling não tenha o protagonismo, não demora a ficar claro como os paralelos entre o escritor histórico e a liderança de Christian Bale complementam as duas personalidades.
Bem encabeçando o dilema típico entre a objetividade e a forma subjetividade de se compreender a vida, é interessante acompanhar a forma como a sobriedade de Landor desenha a imaginação do Poe. É como se as observações do último o desafiassem a observar para além dos signos práticos que será forçado a desvendar em sua trajetória.
Em relação a esse último aspecto, chama a atenção ainda como o longa flerta bastante com o campo corporal. A exploração de elementos bastante explícitos estabelecem uma relação com a exploração simbólica que a dupla investigativa determina na trama, cujo discurso é bastante explorado.
Esteja na posterior eternalidade da carreira de Edgar Allan Poe – que se especializou na construção de histórias que tangenciam os encontros entre a realidade e a fantasia -, ou na suspeita de que o principal suspeito poderia estar sendo movido por intenções “poéticas”, são vários os comentários da obra sobre a necessidade de criação de signos como orientadores da vida.
Isso acaba se mostrando especialmente eficiente no que diz respeito à tênue separação entre o arquiteto dos crimes e aqueles que procuram solucioná-los. É como se a complexidade do universo mental que os rege se sobressaíse às normas sociais impostas pela frieza do período quase vitoriano que dá vida ao projeto, impondo interessantes reflexões sobre as capacidades da conduta humana.
Diante de todos esses aspectos que bem se justificam no campo sociológica e do roteiro prévio, entretanto, dói constatar como a produção é morna em seus demais aspectos. A boa direção artística e a fotografia eficiente na retratação dos tons fúnebres daquele universo não são o suficiente para abarcar a falta de fascínio que o filme demonstra em explorar a própria mitologia.
São poucas as construções visuais, por exemplo, que se esquivam de jogos de planos e contraplanos – e que em muitos casos sequer nos mantém junto das personagens que deveriam valorizar -, e destacam detalhes curiosos que em muito acrescentariam ao campo mencionado dos pequenos símbolos corporais.
Tal teor desequilibra o discurso a respeito dos choques entre o real e o fabulativo, tornando a obra um suspense frustrado na medida em que pouco se permite ser contagiado pela grande criatividade de mentes como as de Allan Poe.
Sendo assim, “O pálido olho azul” honra o material base com boas personagens e uma condução literária intrigante de seus dilemas, mas infelizmente pouco justifica a articulação da trama em questão no formato audiovisual que em muito poderia engrandecer as digressões da mente humana que a obra quer tanto discutir.