“O OUTRO PAI” – Tudo é superficial
O OUTRO PAI é superficial. A produção original Netflix é rasa por não conseguir trabalhar o tema da busca por seu lugar no mundo nem desenvolver a narrativa. A duração ainda menor que os tradicionais noventa minutos das comédias (o filme possui apenas setenta e oito minutos) também é responsável pelos problemas, porém não o único. Mesmo se propondo a ser leve e descontraído, falta um aprofundamento nas personagens centrais para evitar a sensação de incompletude que passa.
A trama se inicia com a morte da mãe de Sofía, Claudia, Sara e Lucia. A notícia faz com que as quatro irmãs, após algum tempo distantes, precisem se reencontrar no enterro e cuidar das demais providências subsequentes. Quando descobrem um segredo de família há muito escondido, elas partem em uma jornada para descobrir a verdade sobre suas origens. Além de tentar compreender seu passado, deverão reaprender a conviver e se acertar com seus próprios dilemas internos.
O conflito principal que move a produção é inverossímil e tratado com conveniências do roteiro que testam a aceitação do público já no princípio: a “gincana” promovida pela mãe para fazer com que suas filhas só tenham acesso à herança caso descubram quem são seus pais biológicos. Esse mote envolve a manipulação das próprias filhas pela progenitora, que determina o que elas precisam fazer sem revelar informações necessárias para a solução do mistério (um artifício de roteiro preguiçoso para tentar criar algum “suspense”, mas que as impede de realizar a investigação), a progressão ilógica da descoberta dos pais em potencial (após a dica do primeiro homem a ser procurado, como elas poderiam saber quais seriam os próximos?) e as tentativas nada plausíveis de identificar os pais de cada personagem (chegando ao ápice de lembrar a data e horário da relação sexual para projetar quem seria sua filha).
Dentro da jornada de descoberta da paternidade, o que se salva é o mosaico diverso representado pelas irmãs. Claudia vive uma relação conturbada com seu marido e tenta esconder de todos a frustração de seu casamento; Sofía é homossexual e não consegue se comprometer em relacionamentos sérios; Lucia se assemelha à mãe por não querer relações duradouras e por apenas desejar desfrutar a vida; Sara é uma empresária bem- sucedida que dispensou um namorado antes de viajar a trabalho para os EUA. Apesar da multiplicidade de possibilidades com suas personagens, o filme as desperdiça ao não explorar camadas das quatro mulheres ou não desenvolver suas características inicialmente apresentadas (as razões para Sofía e Lucia fugirem de relacionamentos sérios, para Sara ter priorizado o trabalho ao invés do amor e para Claudia sofrer em um casamento infeliz são permanentemente um mistério). Além disso, os conflitos de seus arcos e as eventuais transformações pelas quais precisam passar não são construídos com alguma cena, mas sim por diálogos expositivos trocados em uma conversa entre as irmãs ou ditos pela mãe em uma gravação.
A mesma diversidade de caracterizações que poderia ser trabalhada com os pais também é desperdiçada. Tais personagens possuem personalidades, ocupações e histórias de vida muito distintas que comprovam como relacionamentos amorosos podem nascer das mais inusitadas situações e se desvincular de padrões sociais rigidamente estabelecidos. Porém, ao invés de explorar com atenção esse aspecto somente insinuado pela narrativa, o filme opta por piadas bobas, inverossímeis, previsíveis, nada criativas e de gosto, no mínimo, duvidoso em cada um dos núcleos (por exemplo, brincadeiras infantis com o órgão sexual masculino, cegueira, a relação entre sexo e religião e orientações sexuais). A falta de qualquer surpresa para a revelação dos respectivos pais é outro agravante para as falhas do roteiro, já que é possível descobrir rapidamente as identidades misteriosas.
A superficialidade se faz presente também na estética simples e discreta estabelecida por Gabriela Tagliavini. A cineasta não utiliza encadeamentos de planos, enquadramentos ou movimentos de câmera originais ou expressivos, preferindo planos americano e médio para a organização das cenas, closes para momentos de maior dramaticidade ou a sucessão dos fatos em relações de causa e consequência – a exceção fica por conta de uma breve montagem paralela no terceiro ato para apresentar as condições emocionais das quatro mulheres após a descoberta dos pais. O recurso mais perceptível é a trilha sonora, não por motivos positivos, pois a trilha instrumental pouco acrescenta às cenas, sendo redundante ou piegas (especialmente, quando pontuam momentos tristes ou amorosos entre Sara e seu interesse romântico), e as canções comentam excessivamente o que já está sendo mostrado visualmente.
“O outro pai” não se preocupa em explorar a carga dramática de sua história porque a proposta é outra, voltada para a comédia e para o entretenimento descompromissado. Ainda que o sentido escolhido seja esse, roteiro e direção possuem deficiências para tratar o tema e a abordagem, como as inúmeras piadas em torno das figuras masculinas, a caracterização rápida e apressada das irmãs e o moralismo que cerca o passado da mãe das protagonistas, julgada pelo número de parceiros sexuais em sua vida. A combinação desses elementos torna o novo lançamento Netflix superficial, não de um modo ofensivo que cause reações muito negativas ao vê-lo, mas raso e esquecível.
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