O Oscar é apenas mais um filme de Hollywood
No dia 15 de setembro de 1954, na esquina da 52th Street com a Lexington Avenue, nascia um dos momentos mais icônicos do cinema. Tom Ewell está parado na rua, seu esforço para se manter o mais indiferente possível é descomunal. Ao seu lado, Marilyn Monroe (que chegou atrasada para a gravação da cena). Um dos mais belos sorrisos que Hollywood já conheceu. Quando Billy Wilder grita “ação”, cerca de 1500 pessoas contemplam a atriz segurar o vestido branco enquanto A Cena, aquela que nunca será esquecida acontecia. Monroe, através de um gesto de falso pudor, um giro discreto da cabeça, um riso divertido de quem está adorando tudo aquilo é imortalizada enquanto grava seu mais icônico momento para o filme “O Pecado Mora ao Lado”. Uma das imagens que define Hollywood, acontecendo ali, naquele momento. Foram necessários três ventiladores sob a grade do metrô para se conseguir o efeito. A cena foi retomada 10 vezes. Fotógrafos do mundo inteiro registraram o momento durante as intermináveis cinco horas de gravação. Mas há um detalhe especial neste momento. Billy Wilder não havia colocado o filme na câmera. Tudo aquilo não passava de uma ação publicitária, enquanto que a cena oficial foi gravada algumas semanas depois num estúdio. Poucos momentos do cinema definem tão bem o que é Hollywood quanto este.
A vida registrada por câmeras e os gestos (quase) nada sinceros apenas reforçam que o maior expoente do cinema nos Estados Unidos é um filme (quase) não roteirizado. É quase como se, para alguns atores ou atrizes, o diretor nunca gritasse “corta”. Tudo faz parte de um roteiro maior, cujo ápice aparece durante uma das mais importantes noites para o cinema mundial. A noite do Oscar.
Alguns dizem que é exagero querer colocar a cerimônia ao lado de Cannes, Berlim, Veneza ou Toronto (os mais prestigiados festivais de cinema do mundo). Mas não há como negar que Hollywood sabe dar importância ao seu festival. A Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, ou apenas Academia, ano após ano, tenta provar que o Oscar é um dos mais importantes momentos do cinema. É quando tudo o que foi produzido no ano anterior ganhará a glória eterna ou será condenado ao esquecimento. Ou assim deveria ser.
Ao longo de anos, o que a história realmente nos mostrou é que o prêmio em si não assume tanta relevância no legado do filme. Basta olhar para alguns dos mais importantes filmes da história e como eles foram ignorados pela Academia. Para ficar apenas num dos anos mais enigmáticos, olhemos para a cerimônia de 1969, quando o musical “Oliver!”, dirigido por Carol Reed, foi o grande vencedor da noite. Um filme sem qualquer relevância atualmente, que concorreu com clássicos como: “Funny Girl: A Garota Genial”, dirigido por William Wyler; “O Leão no Inverno”, um dos grandes épicos da antiga Hollywood, dirigido por Anthony Harvey e o belíssimo “Romeu e Julieta”, dirigido por Franco Zeffirelli e a mais memorável das adaptações da peça de Shakespeare. Todos esses filmes se mantém como referência atualmente, diferente do vencedor.
Quando olhamos para as produções de 1969 e que não estavam concorrendo ao prêmio principal, vemos ainda “2001: Uma Odisséia no Espaço” dirigido por Stanley Kubrick, “Planeta dos Macacos”, dirigido por Franklin J. Schaffner e “O Bebê de Rosemary”, dirigido por Roman Polanski. Novamente, todos estes filmes ainda são lembrados e celebrados, mas por que “Oliver!” venceu o prêmio naquele ano?
Primeiro é importante entender quem exatamente é a Academia. Ou melhor, o que é e quem faz parte dela. Em algum momento na década de 1920, o então presidente da Metro-Goldwyn-Mayer (MGM), Louis B. Mayer entrou em contato com alguns figurões de Hollywood para discutir a ideia de um clube onde as pessoas poderiam se reunir anualmente para um jantar de gala e premiar os mais importantes filmes. Em 1927 é realizado o primeiro jantar, contando com um total de 36 membros (sendo a atriz Jeanie Macpherson a única mulher do grupo). Após algumas mudanças, em 1929 é realizada a primeira cerimônia do Oscar. Hoje a Academia conta com mais de seis mil membros de diversas nacionalidades. Mas o espírito e a essência se mantém perto da década de 1920.
Esse grupo de pessoas, que contempla diretores, produtores, atores, roteiristas e todas as demais áreas do cinema (além de alguns ilustres de fora) escolhem, dentre os indicados seus favoritos do primeiro ao último. Porém o vencedor não é quem leva mais votos, mas sim aquele que leva a melhor média de votos (se o filme mais votado, também foi o que ficou por último na maioria das cédulas de votação, ele é deixado de fora e é considerado o segundo filme mais votado). Assim a Academia garante que o melhor filme não é apenas o que mais agrada, mas o que menos desagrada também. Num ambiente dominado por uma classe conservadora, não se pode esperar grandes mudanças.
Isso explica porque é tão difícil que filmes que causaram alguma grande polêmica durante a exibição comercial, dificilmente levam uma estatueta. É claro que ainda existem o peso de produtores que querem ver seus filmes levando o maior número de estatuetas e oferecem jantares além de enviar presentes para os votantes. Mas isso não influencia a ponto de desviar demais alguns eventos tradicionais. Assim, o máximo que a Academia oferece como desculpas, são alguns prêmios de honra (roteiro é o principal deles), além de, eventualmente, compensar o desastre de uma cerimônia com um falso bom senso no ano anterior (#OscarSoWhite e #MeToo são os exemplos mais recentes, numa tentativa falha da Academia de pedir desculpas por não saber ser protagonista de movimentos e causas sociais).
Todo esse esforço em oferecer uma noite célebre, mas que dificilmente foge de um roteiro escrito por poderosos, faz com que não haja tanta surpresa em acontecimentos bizarros, como no fatídico ano de 1999. Na ocasião, a atriz brasileira Fernanda Montenegro disputava o favoritismo ao lado de Meryl Streep. A vencedora foi Gwyneth Paltrow por “Shakespeare Apaixonado”. Mas o golpe de misericórdia é entregue ao final da celebração, quando este mesmo filme é anunciado como o grande vencedor da noite, deixando para trás “O Resgate do Soldado Ryan”.
Resta, portanto, contemplar os bons momentos da noite. Os discursos inspirados como o de Eddie Redmayne em 2016, por “A Teoria de Tudo” ou o recente discurso de Olivia Colman em 2019, por “A Favorita”. Discursos que não seguem um roteiro e fogem à lógica que Hollywood (e o Oscar) tentam criar. Há ainda a vitória de Roberto Benigni por “A Vida é Bela”, e sua corrida por cima das cadeiras do Dorothy Chandler Pavilion (o Teatro Dolby só passou a ser usado a partir de 2001). A espontaneidade no Oscar é uma raridade. Mas é com ela que surgem os melhores momentos.
No final, é importante que seja celebrado o cinema. Afinal, como medir a qualidade de uma obra, comparando-a diretamente com outra? Como afirmar que categoricamente que “No Calor da Noite” é de fato melhor que “Bonnie e Clyde – Uma Rajada de Balas”, “Adivinhe Quem Vem Para Jantar” ou “A Primeira Noite de um Homem”? A cerimônia de 1968 decidiu que assim era, e a nós cabe apenas aceitar. Aceitar que o cinema é maior que um prêmio. Que um Oscar de melhor filme não lhe garante o sucesso à eternidade. Aceitar que, no final da noite, a cerimônia foi tão real quanto a gravação que parou um cruzamento em Nova York para ver o vestido de Marilyn Monroe voar.
Estudante de jornalismo, cinéfilo e escritor nas horas vagas. Apaixonado por cerveja, café e literatura sci-fi e policial. Acredita na honestidade dos filmes ruins e que Ringo Starr sempre foi o melhor dos Beatles.