“O MESTRE DA FUMAÇA” – A escassez de uma piada só
A comédia sempre encontrou um berço muito forte no cinema brasileiro. Passível de enredos simples e produções menores, ela concentra uma força que costuma transitar entre o absurdo das situações vividas e o timing cômico das suas personagens. Não são necessários grandes elementos para além desse cerne, no qual incontáveis nomes se especializaram em nossa nação. Esse não é o caso de O MESTRE DA FUMAÇA, filme que naufraga pelo próprio medo de mergulhar em suas origens.
Perseguidos por uma maldição que prevê as suas mortes após a chegada dos 27 anos, dois irmãos levam uma vida guiada pelo treino de Kung Fu com os seus amigos mais próximos. Quando um ataque brutal ameaça a vida de um deles, o inexperiente Gabriel se vê forçado a enfrentar o maior desafio de sua vida: treinar com o lendário “Mestre da Fumaça”.
Dirigido pela dupla André Sigwalt e Augusto Soares, é digno de destaque o viés independente por detrás da produção. Conforme dito em entrevistas, o projeto teria saído de um sonho mais direto, voltado a um entretenimento mais passageiro e fundamentado na cinematografia nacional. No que diz respeito a última, entretanto, é infeliz a pouca assimilação de códigos distantes das referências a partir das quais surge o filme.
Da estrutura geral da narrativa à articulação das coreografias de luta – e que mesmo não necessitando de um grande requinte, são naufragadas pela montagem confusa -, não existe uma personalidade que justifique a própria regionalização. Se isso serviria para um discurso inconsciente acerca do deslocamento das raízes dos produtos originários, é também frustrante como a obra não tem interesse algum para além de sua grande piada.
Longe da intenção de reproduzir quaisquer moralismos, não é difícil perceber o uso da maconha como o maior, e talvez exclusivo, alívio cômico da trajetória. É o absurdíssimo da sua presença em um contexto de artes marciais que é sustentando pela direção como grande força motriz.
Pela falta de uma maior contextualização a respeito do tal elemento, entretanto, o recurso em questão logo se desgasta, e pouco funciona a reciclagem que ocupa a maior parte da produção. Isso desvaloriza até mesmo a carismática performance de Tony Lee, simpático senhor que incorpora a figura título.
Indo além, outra problemática se deve à constante anulação de um caráter paródico que poderia ser potencializado. Embora flerte diretamente com os filmes chineses de lutas marciais, a forma como o projeto esteriliza as suas possíveis virtudes emerge como seu maior defeito.
Seja pela ausência de cores vibrantes, pela predominância de uma paleta pouco atraente e, principalmente, pela emulação de um melodrama pouco sustentando pelas interações propostas ao elenco, o filme reluta em assumir toda a sua caricatura. É como se a inserção de contextos dramáticos obstruísse a construção de gags visuais, ou mesmo de um texto cômico mais afiado, afundado em uma necessidade de construção de backstorys e demais explicitações didáticas.
Partindo de uma proposta aparentemente escrachada, há poucas evidências de um projeto pensado, em sua totalidade, para atuar como uma obra de entretenimento, em primeiro lugar. A necessidade de contar uma história ainda fala mais forte do que o cinema em sua forma mais pura, diluindo as suas piadas e outras ferramentas.
A insistência em uma única piada como sinônimo de sua informalidade – ou falsa informalidade, visto que a suposta atmosfera “chapada” pouco se traduz na forma como a história é contada – derruba o que poderia ser um exercício de insubordinação e revitalização de um estilo pouco visto na atual cinematografia brasileira.
Desse modo, “O mestre da fumaça” é um ótimo exemplo dos males de se reproduzir carapuças brilhantes. Pouco compreendendo a verdadeira pulsão por detrás de seus materiais fontes, ele naufraga em uma margem mal definida entre o cinema de gênero e o nacional. É a clássica importação que, incapaz de traduzir, em forma, a volatilidade presente desde as suas raízes, não funciona nem aqui nem na China.