“O MENINO QUE QUERIA SER REI” – Genérico, facilmente esquecível e claramente ultrapassado
Artificial, anacrônico, clichê… faltam adjetivos que qualifiquem com precisão O MENINO QUE QUERIA SER REI, filme britânico que tenta atualizar para os dias de hoje a lenda do Rei Arthur. É verdade que o longa é fiel às lendas arthurianas, mas isso não quer dizer nada em termos qualitativos. Mesmo estreando em janeiro, já entra para o rol dos piores filmes de 2019.
O protagonista Alex é um garoto que enfrenta dificuldades no colégio por defender seu amigo Bedders de dois bullies, Lance e Kaye. Certo dia, fugindo da dupla, ele chega a uma construção abandonada e retira uma espada encravada em uma rocha. O que Alex vai descobrir é que a espada é Excalibur e, como seu portador, deverá enfrentar a meia-irmã de Arthur, a perigosa Morgana.
O fato de o elenco ser quase exclusivamente de crianças não justifica as péssimas atuações dos infantes escolhidos. Há muitas crianças talentosíssimas que posteriormente confirmaram sua habilidade interpretativa, como Natalie Portman, Jodie Foster e Christian Bale. Salvo Louis Serkis, intérprete de Alex, que não é tão ruim, as crianças precisam melhorar muito. Mesmo considerando suas idades, o que fazem é deveras artificial. O pior de todos é Angus Imrie, versão jovem de um Merlin irritantemente histriônico. Patrick Stewart e Rebecca Ferguson emprestam seus nomes à película apenas para fins de marketing, pois os dois têm participação minúscula.
Anacrônico, é decepcionante ver um plot anódino que, dilapidando o legado de Joseph Campbell (que deve estar se remoendo no túmulo), agasalhe a jornada do herói sem personalidade alguma. É um momento para “Tomboy” ou “A invenção de Hugo Cabret”, não “Foi sem querer” ou “Te pego lá fora”. O acervo da “Sessão da tarde” já está recheado de filmes de esqueleto repetido. “O menino que queria ser rei” é genérico, facilmente esquecível e claramente ultrapassado. Parece uma produção vindo direto dos anos 1980, exceto pelo seu CGI, que é razoável.
Além de não ter nenhuma criatividade, o preguiçoso roteiro de Joe Cornish é bastante inverossímil. Como uma mãe consegue ser tão conivente com toda aquela situação? Como Mertin frequenta as mesmas aulas de Alex, se é mais velho? Como crianças que nunca andaram a cavalo aprendem a correr em alguns segundos? Isso sem desconsiderar as conveniências de roteiro: a espada se quebra justamente onde a solução está, os cavalos surgem quando precisam e assim por diante. Mal estruturado, o script tem dois finais e dá uma solução paupérrima para o mistério do pai de Alex.
Dizer que as personagens são unidimensionais e estereotipadas é expor a conclusão óbvia dos diálogos sofríveis – aliás, para facilitar, Morgana, em voice over, detalha as características do quarteto principal, apontando o maniqueísmo da obra. Falas como “você salvou a minha vida e eu te devo lealdade eterna” e “é assim que o mundo funciona” abundam em meio a lições que, embora valorosas, são de um lamentável excesso didático. Os momentos cômicos só podem ser de humor acidental, como nos inexplicáveis movimentos vergonhosos que Merlin faz para concretizar suas mágicas.
Depois de dirigir “Ataque ao prédio” (película absolutamente distinta), parece que Joe Cornish regrediu ou desaprendeu o ofício. A cena da batalha final é criativa, mas o exagero dos cortes e a câmera trêmula a prejudicam demais – só não tremula mais que a câmera no alto quando o exército recebe as armaduras (o que explica essa tremulação!?). A trilha musical evoca um heroísmo piegas e a fotografia é absolutamente banal. A animação do prólogo, entretanto, apresentando a famosa história dos cavaleiros da távola redonda, sugerem um trabalho bem feito (o que acaba sendo pura ilusão).Não há nada que se aproveite, em termos de cinema, de “O menino que queria ser rei”. A direção é básica, o roteiro é pavoroso e as atuações são um descalabro. O espectador que dormir enquanto o assiste não terá prejuízo: o que está lá, se não for ruim, já foi visto outras vezes (e em melhor qualidade).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.