“O MENINO QUE DESCOBRIU O VENTO” – As tradições, o meio e o povo
Filmes que se iniciam com a inscrição “baseado em fatos reais”, em geral, despertam reações de espanto no público que se pergunta se aquela história realmente aconteceu. O MENINO QUE DESCOBRIU O VENTO traz essa mesma abertura, porém o efeito é outro: o espanto e as dúvidas cedem lugar à indignação diante de um cenário desolador ainda existente na África – em meio às adversidades do meio, uma trajetória edificante pode emergir carregando conhecimento, cultura e esperança.
No início dos anos 2000, um vilarejo de Malawi sofre com as instáveis condições climáticas, que afetam as plantações, e com as crises políticas do país. A partir do momento em que empresas madeireiras compram árvores em várias propriedades da região, as plantações ficam expostas à chuva forte e às inundações. A queda na produção de alimentos apenas conseguiria ser superada pelo jovem William, um estudante dedicado e que tenta ajudar sua comunidade através da construção de uma turbina de vento.
O grande conflito que move a narrativa são as dificuldades políticas, econômicas e geográficas do vilarejo onde os personagens vivem. Eles se encontram oprimidos pela negligência do governo (representada pela figura do governante que menospreza as condições de vida da população pobre, silencia lideranças locais de oposição e prioriza seus próprios interesses eleitorais), pela ambição de grandes empresas (movidas pelo lucro derrubam árvores necessárias para a proteção do local) e pelo próprio meio ambiente onde estão (uma área pobre e pequena que tem uma zona de plantio sujeita a secas ou inundações repentinas). A geografia adversa é ressaltada pelos enquadramentos feitos pelo diretor Chiwetel Ejiofor, caracterizados por planos gerais ou de conjunto capazes de evocar as transformações radicais vividas pelo ambiente: a beleza e a diversidade natural do início da projeção dão lugar à seca extrema ou destruição ambiental. Além disso, a narrativa se divide em pequenos segmentos nomeados de acordo com as fases da agricultura ou a disponibilidade de alimentos.
Situada nessa aldeia está a família Kamkwamba, com destaque para os arcos do pai Trywell, vivido por Chiwetel Ejiofor, e para o filho William, interpretado por Maxwell Simba. Os choques inevitáveis entre as duas trajetórias são complementos eficientes para o conflito estabelecido pelo ambiente: Trywell tem um esforço hercúleo para sustentar os familiares e garantir a educação do filho (apesar dos tormentos enfrentados), buscando ir além dos costumes tradicionais de sua comunidade para valorizar os conhecimentos escolares; já William demonstra curiosidade e habilidades científicas, recolhendo objetos descartados no ferro velho ou se dedicando aos estudos, ainda que seja exigido dele trabalhar para ajudar a família e superar as agruras da fome. Mesmo havendo força dramática em cada arco, a direção de Ejiofor custa a desenvolver plenamente o drama daquelas situações, fazendo com que apenas no fim do segundo ato a complexidade dos reveses seja sentida.
Parte dessas limitações dramáticas também está relacionada às principais atuações do elenco. Se, por um lado, Ejiofor tem presença em cena suficiente para dar vazão aos intensos conflitos dramáticos do seu personagem – graças à sua imponência física e à grande expressividade do seu olhar -, por outro, Simba se atém a uma única expressão facial de sofrimento que carece das camadas presentes em sua trajetória. Em função das lacunas na interpretação do protagonista, o drama que se pretendia construir leva mais tempo para engajar o espectador e transmitir as dificuldades existentes, a angústia extrema diante da falta de soluções aparentes e a disposição continuamente renovada para enfrentar os problemas.
Enquanto os elementos centrais da narrativa são trabalhados, é possível perceber a inserção de traços da cultura africana, algo que engrandece a trama e ambienta o público com aqueles personagens naquele local. Existe, por exemplo, um grande respeito pelas pessoas mais velhas, sendo Chief Wembe o líder da comunidade, e rituais específicos para atrair chuvas com danças e vestes próprias. As expressões culturais africanas também são absorvidas pela estética do filme, criando sequências em que a musicalidade dos rituais se torna a trilha sonora – essa opção, inclusive, se revela mais interessante do que quando utiliza uma trilha sonora instrumental comum.
“O menino que descobriu o vento” é uma conjunção entre diferentes elementos temáticos dentro da trajetória de superação de adversidades de William: as tradições culturais de seu povo e o próprio esforço individual do personagem são mobilizados para lidar com os obstáculos geográficos e políticos colocados pelo meio. A proposta é apresentada e concluída com eficiência, através de uma construção emocional envolvente, ainda que existam irregularidades na transição entre o início e o desfecho. Ainda assim, a estreia de Chiwetel Ejiofor na direção e no roteiro trabalha com alguma desenvoltura um tema contemporâneo com perspectivas próprias.
Um resultado de todos os filmes que já viu.