“O LABIRINTO” – O livro talvez seja
As credenciais de O LABIRINTO são respeitáveis: dois atores gabaritados e roteiro baseado em um best-seller. Nos primeiros minutos, o filme chama a atenção e gera curiosidade. Com maior desenvolvimento da trama, aproxima-se do risível e a mescla de gêneros não funciona. Quando acaba, a conclusão é que o livro pode ser bom.
Após ter sido sequestrada, Samantha está em choque e com dificuldades de relatar às autoridades o que ocorreu durante o cárcere. Cabe a Dottor Green ajudá-la a recordar os jogos e enigmas a que foi submetida enquanto aprisionada, enquanto ao investigador Bruno Genko cabe a descoberta do sequestrador – duas tarefas igualmente difíceis.
No elenco estão Dustin Hoffman e Toni Servillo, respectivamente, como Dottor Green e Bruno Genko. Green é um médico enigmático cujos métodos são certamente questionáveis (a pressão exercida sobre Sam para extrair dados da sua memória). A participação de Hoffman não está entre as melhores do seu currículo. Quanto a Servillo, o ator acerta no minimalismo emprestado a Bruno, que é um investigador de poucas emoções. O papel é também o mais interessante: Bruno é marginalizado pelos policiais, uma pessoa solitária com um trabalho ingrato (cobrar dívidas) que enxerga na investigação do sequestro de Sam a última oportunidade de fazer algo realmente bom. Seu único relacionamento afetivo é com uma garota de programa bem mais jovem, alguém por quem ele nutre carinho autêntico (guardando dinheiro para ela), que é recíproco (ela se dispõe a cancelar um cliente).
Bruno é alvo de chacota no texto (chamado de fedido) e no visual (seu paletó fica com mancha de suor nas costas, seu travesseiro fica marcado com sua saliva saindo da boca durante o sono), porém é com ele que fica a parte mais instigante da narrativa. O roteiro de Donato Carrisi (também autor do livro e diretor do longa) divide o plot na parte da investigação de Bruno, de um lado, e na da conversa de Sam e Green, de outro. Com o investigador, a narrativa tem estilo clássico de mistério, impulsionada pelas pistas descobertas por ele. É difícil levá-la a sério, todavia, quando o coelho entra em cena (assistindo ao filme é possível entender o que isso significa), sobretudo pela seriedade com algo bizarro como o que é apresentado. Outro problema resulta nas lacunas do roteiro (por que Bruno vai àquele bar?); ainda assim, todavia, é a parte de maior qualidade no filme.
No outro lado da narrativa estão Sam e Green. A atuação de Valentina Bellè é pouco convincente e apenas não é pior porque a maquiagem (rosto pálido e lábios secos) é razoável – o trabalho de maquiagem também é bom em outra personagem, a das queimaduras. Não há nada que tenha acontecido com Sam que não esteja na franquia “Jogos mortais”, porém aqui de maneira mais singela e nada assustadora. O filme se propõe muitas vezes como terror (além do mistério), mas é um terror pelo terror, ou seja, injustificado e deletério à medida que a trama se desenvolve. Efeitos como uma risada infantil em uma igreja e a imagem trêmula da idosa abrindo o porão não têm justificativa alguma e são incapazes de criar uma atmosfera de terror. O suspense dos eventos havidos com Sam não é cativante em momento algum e a probabilidade de a solução final – aquela que se dá após plot twists (cuja presença é previsível pelo estilo do roteiro) – decepcionar é alta. Isso tudo sem contar ideias tão ruins que afetam demais a credibilidade da trama (como a marca no rosto de determinada personagem).
Não obstante, nem tudo é ruim em “O labirinto”. A montagem intercala de maneira orgânica os dois subplots, inclusive com transições associativas inteligentes (como o matching audio segue entre, primeiro, a bolinha nas mãos de Green e, depois, o pano torcido por Sam). A estética do filme é ousada, com duas cores fortes e de forte significância: a cor vermelha simboliza o irracional; o verde, o racional. O vermelho, assim, representa a dúvida, o panorama enigmático em que as personagens se encontram (o quarto de Linda, a camisa marsala de Bruno, a bolinha de Green, a casa da senhora Lai etc.). Por sua vez, o verde indica acerto na direção e segurança (as paredes e o chão do “Limbo”, a bebida do homem de tapa-olho, as paredes do hospital). Essa dualidade está presente também nas imagens espelhadas (os quadrinhos, o espelho no quarto de Sam), bem como no maniqueísmo da maioria das personagens (exceto Bruno, que também por isso é a melhor personagem). Existem ideias elogiáveis por trás da narrativa e a direção não é de todo ruim, mas tampouco poderia ser considerada virtuosa. Por outro lado, o livro talvez – frise-se, talvez – seja bom.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.