“O HOMEM INVISÍVEL” (1933) – Ver além da década de 1930
Não é possível enxergar o clássico O HOMEM INVISÍVEL (com o perdão do trocadilho acidental), com as lentes do cinema contemporâneo. A Universal Studios, em especial a partir dos anos 1930, ficou marcada pelos filmes de monstros – tais como “Drácula”, “Frankenstein” (1931), “A múmia” (1932), “A noiva de Frankenstein” (1935), “O lobisomem” (1941) etc. -, categoria na qual o filme de 1933 se enquadra. Todavia, desconsiderar o contexto da época seria um equívoco grave. Para uma obra tão antiga, trata-se de uma produção revolucionária.
O protagonista, que recebe o apelido que dá nome ao filme, é Jack Griffin, um químico que tem êxito em descobrir uma fórmula que lhe permite ficar invisível. Para criar o antídoto, porém, a dificuldade é maior. Causando tumulto por onde passa, inclusive agredindo e matando pessoas, a polícia encontra enorme dificuldades em conter um perigo que não consegue ser visto.
O roteiro é escrito por R. S. Sherriff a partir do clássico literário de H. G. Wells, celebrado autor que ficou mais conhecido por “Guerra dos mundos” (que também recebeu adaptações cinematográficas). Sherriff faz poucas modificações em relação à história original, merecendo destaque a loucura de Griffin, que é efeito colateral de uma das substâncias usadas para torná-lo invisível (ao invés de retratá-lo como insano mesmo antes da invisibilidade).
É possível que o humor anacrônico ofusque o subtexto de uma trama que, por vezes, soa caricata. Sem dúvida, os gritos histéricos da Sra. Hall dificultam que o Homem Invisível seja levado a sério enquanto perigo para as pessoas da taverna (a despeito de sua inegável agressividade). Contudo, o plot tem como tema central a corruptibilidade das pessoas: primeiro, em relação ao próprio Griffin, que tinha uma intenção inicialmente nobre em seu projeto, mas acaba sonhando com um “reino do terror”, onde poderia “colocar o mundo aos seus pés” (são essas as suas próprias palavras); mas também em relação a todas as pessoas que o cercam.
Durante sua busca pelo antídoto, tudo o que Griffin quer é um espaço tranquilo para trabalhar. A tarefa, entretanto, acaba se tornando mais difícil que parece, tendo em vista que a curiosidade das outras pessoas não consegue ser contida. Especulam: seria ele um criminoso? Sofreu um acidente? Por que cobre tanto a própria aparência? Posteriormente, quando ele se torna, por assim dizer, popular, todos querem a recompensa oferecida pela polícia para capturá-lo. Não que ele seja um herói injustiçado, muito pelo contrário, mas apenas duas pessoas sentem empatia por ele, a noiva e o sogro (enquanto tais, diretamente interessados). Considerar sua insanidade como resultado do composto ingerido elide o maniqueísmo aparente do plot e torna ainda mais clara a egolatria humana.
Em outras palavras, Griffin pratica atos dos quais outras pessoas se tornam vítimas, porém não se pode olvidar que ele é também vítima de si mesmo. Kemp, seu colega de trabalho e quase parceiro na planejada nova ordem mundial, é o primeiro que se aproveita do seu sumiço, ao tentar fazer com que Flora o esqueça, falando que ele “só se interessa por tubos de ensaio”. Mesmo antes do grande evento, Griffin era reservado, mas o próprio Kemp admite que espiava os atos do colega. Os mais próximos do perfil de “mocinhos” são o doutor Cranley e Flora – no mais, o homem é o lobo do próprio homem.
A realidade de “O homem invisível” é hostil, o que fornece coerência ao visual dado pelo diretor James Whale à produção (que, com apenas setenta e um minutos de duração, poderia ser considerado um média-metragem). É inverno, a cidade está fria. Talvez um cobertor seja insuficiente para proteger Griffin, nu, da neve, mas essa mínima preocupação torna a trama mais aceitável do ponto de vista lógico (da mesma forma que a explicação que ele dá para os alimentos que ingere). As pessoas estão em pânico, o que se agrava com a cômica incompetência policial.
Pode parecer estranho mesclar ficção científica, terror e comédia, contudo as medidas dessa mistura são cirúrgicas. A parte da ficção científica reside na premissa; o terror é o que prepondera, através dos atos de Griffin e até mesmo da sua caracterização (as bandagens e os óculos escuros o tornam assustadoramente misterioso); o humor é residual. Dedicado ao “monstro” que interpreta, Claude Rains brilha pelas lúgubres e ameaçadoras entonações vocais e, principalmente, pela risada macabra. Seu rosto quase não aparece, mas a voz chama a atenção.
Não obstante, o que mais chama a atenção é o trabalho de efeitos visuais, que, em plena década de 1930, foram capazes de invisibilizar um ator, algo inquestionavelmente revolucionário. Além da mise en scène compatível com a proposta, aproveitando as possibilidades cômicas e aterrorizadoras que os efeitos da invisibilidade proporcionam, surpreende um grau tão alto de realidade para, por exemplo, fazer um carro explodir em chamas após capotar ao cair de um precipício. “O homem invisível” pode ser encarado apenas como um filme antigo, com uma boa ideia, mas limitado pela sua época (razão de aspecto reduzida, preto e branco etc.), mas há que ser reconhecida a sua relevância histórica ao criar cenas até então restritas à imaginação.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.