“O HOMEM DOS SONHOS” – A doméstica do onírico
Explorar o mundo dos sonhos parece sempre um prato cheio para a Sétima Arte. Munidos de inúmeras possibilidades, eles dialogam com muitos dos ímpetos que buscamos na consumação artística. Permitem a subversão da realidade enquanto em diálogo com o inconsciente, dando vazão a impulsos e questões enraizadas. Nem sempre a materialização imagética desse campo imaginário, entretanto, acaba bem sucedida, caso do pouco inventivo O HOMEM DOS SONHOS.
Cansado da monotonia de sua vida como professor universitário, o infeliz Paul Matthews leva uma rotina acomodada ao lado da esposa e dos filhos. Seus artigos ganham circulação mínima, e os conhecimentos que domina aparentam ser irrelevantes. Tudo muda quando um acontecimento curioso se torna regra em sua vida: todos passam a sonhar com a sua figura. Influenciado pela popularidade súbita, ele precisa impedir que a fama tome a sua cabeça.
Dirigido por Kristoffer Borgli, não tarda ao longa a aposta em representações dramáticas de todos os sonhos sendo ali relatados. A encenação de cada passagem, por exemplo, citada por alunos em sala de aula, antecipa desde os princípios um projeto de materialização. A representação do fantástico é submetida ao concreto, estreitando os limites de uma narrativa que se demora a compreender o próprio protagonista.
Surge logo o contraponto entre a filosofia de uma certa abstração, especialmente voltada ao estudo daquele protagonista. Nicolas Cage dá vida a uma figura atormentada por instintos incompreensíveis.
Sua razão de ser é desafiada pela ambição de ser algo maior, algo não concebido pelas leis da razão. Se por um lado os sonhos surgem como uma aparente unidade de se articular uma falta de sentido, é na literalidade das dramatizações que a direção se contradiz.
Surge uma espécie de domesticação dessa esfera lúdica, fortalecida pela falsa ideia de disrupção. A composição clínica e os tons lavados da fotografia são aspectos que minam as potencialidades daquele imaginário, banalizando as sequências fantásticas. A sucessão entre elas perde o impacto progressivamente, introduzindo ainda novas temáticas e que nunca se esclarecem na unidade proposta pela obra.
Temos um filme que se julga afiliado de um radicalismo da forma, na maneira como encena os sonhos e propõe alguns elementos, muito isolados, de subversão do realismo – sempre dependente dos signos, nunca ponderando as ferramentas técnicas que poderiam engrandecer à magia do projeto – mas que compactua com a esterilização industrial.
Indo além, mesmo propondo algumas reflexões interessantes, a não resolução da trajetória inserida em uma estrutura ordinária gera um eco que evidencia a ausência de uma tese. Seria o filme a respeito da incapacidade de se racionalizar certos aspectos de nossas vivências? Um filme sobre o desencanto de uma geração, convencida da própria incapacidade de se surpreender com o impossível?
Talvez, e mesmo inconscientemente, seu discurso acabe flertando justamente com esse último, no modo como Borgli abraça aquele mesmo pseudo intelectualismo dos seguidores do chamado “pós-terror” – movimento que prega um amadurecimento do gênero de horror apenas na década passada, renegando diversos exemplares do terror e estigmatizando diversos fazeres desse cinema enquanto arte.
É um filme amedrontado com as possibilidades mais plenas de se pensar o inconsciente, que pena com a falta de uma coesão que justifique para justificar a própria existência. Nem por isso ele deixa de flertar com alguns fragmentos curiosos, como a sútil tentativa de se ler fantasias e impulsos sexuais. Isso contribui com a curiosa construção de uma crise de meia idade, intermediando lapsos daquela realidade palpável e as digressões fábula das pela mente. Mesmo assim, contudo, essas mesmas passagens ainda compactuam com uma atual tendência de cancelamento de cenas mais explícitas – por mais que acredite não estar fazendo isso.
Sobra um vazio quase tão aterrorizante quanto a piada dos anúncios mentais proposta no ato final, que além de prolixo não se assenta em lugar algum. Um filme que acaba reproduzindo muitas das críticas que a figura central faz em determinado momento, penoso em se entregar ao exercício do cinema de fabular sobre aquilo que é real. Resta uma obra de resquícios esterilizados, e que na contramão do próprio título, se proibem de sonhar.