“O GÊNIO E O LOUCO” – Compaixão e redenção
Como aponta o nome brasileiro da película, O GÊNIO E O LOUCO tem duas narrativas concomitantes protagonizadas por duas personagens bem distintas. Embora narrativamente essencial, essa divisão acaba sendo maléfica para “The professor and the madman” (nome original), pois o desnível entre elas é alargado.
De um lado, o professor James Murray é um erudito autodidata que assume um dificílimo encargo, consistente na criação do Dicionário Oxford. De outro, o doutor William C. Minor está internado em um hospício após cometer um assassinato e ser considerado louco em seu julgamento. Quando suas histórias se conectam, genialidade e loucura se revelam características presentes em ambos.
A tarefa assumida por James é, sem dúvida, um trabalho hercúleo. Mais que um dicionário, a Oxford University almejava montar um verdadeiro inventário da língua inglesa. Desse ponto de vista, a produção é um acerto como curiosidade histórica ao retratar uma história real – o problema de eventuais licenças poéticas se faz presente em qualquer filme de ficção, que têm essa liberdade, diversamente dos documentários. Não obstante, a história não é estapafúrdia, podendo ser bastante fiel.
Baseado no livro de Simon Winchester, o roteiro de John Boorman, Todd Komarnicki e Farhad Safinia foge de potenciais controvérsias e se atém a um plot de compaixão e redenção. James é “apenas” um autodidata, visto como desqualificado pelos professores da Oxford. Isso não o impediu, contudo, de ser contratado para o serviço. De outro vértice, William é chamado de doutor (já que é médico) mesmo pelos guardas do manicômio. Esse é um preconceito típico do ambiente acadêmico que o texto não elide, mas também não aprofunda. O moralismo da época (metade do século XIX) também está lá – com enfoque na dúvida entre completude (catalogar todas as palavras) ou seletividade (ignorando palavras tidas como inadequadas) -, porém o script perde a oportunidade de retratar o machismo. Outra matéria espinhosa vista superficialmente reside no tratamento ministrado a pessoas com alguma psicopatologia.
A viúva da vítima do crime perpetrado por William é uma personagem desperdiçada (assim como a Ada de Jennifer Ehle, que só é lembrada no ato final), pois o roteiro se prende em demasia aos seus conflitos internos, olvidando o menor espaço feminino naquele tempo. Natalie Dormer se dá bem expondo o sofrimento da personagem; esta, porém, soa desconexa com a narrativa. Aliás, é esse o grande problema do filme, que não consegue ser um todo harmônico e coeso: o louco genial aparece correndo atrás de alguém e atirando à noite, já o gênio enlouquecido surge orientando um filho na prática esportiva; enquanto um destrói uma família, o outro é um pai de família. Há um ululante desnível entre as trajetórias e as personalidades dos dois, um descompasso exacerbado que revela uma produção mal elaborada.
Na estética, os dois arcos dramáticos não têm grandes diferenças, prevalecendo uma fotografia bastante escurecida e visualmente cansativa, além de uma trilha musical instrumental bela, mas deveras genérica. Contudo, uma narrativa tem atmosfera leve, enquanto a outra é dotada de enorme tensão e muito drama. James tem um arco dramático insosso, enquanto William é composto em camadas bem interessantes – o médico precisa lidar com o perdão externo e interno, de modo que Sean Penn esbanja sua qualidade enquanto intérprete para transmitir as tormentas sofridas pela personagem.
Dr. Minor claramente não é um homem mau (caso contrário, não ajudaria o guarda), mas vítima de uma doença incompreendida. Ele vive momentos assustadoramente frenéticos em razão dos seus distúrbios, com destaque para as transformações físicas, que o envelhecem em progressão geométrica. Quando seu tratamento é mais invasivo, a falta de humanidade é chocante. O James de Mel Gibson não chega perto do impacto causado por William.
À direção de Farhad Safinia faltou a consistência indispensável para fazer com que as duas narrativas paralelas fossem igualmente instigantes e explodissem emocionalmente ao se encontrar. O cineasta não se decide entre documentar dados históricos em modelo ficcional ou contar uma triste história de um homem indevidamente desconhecido. Dessa indecisão o resultado não poderia ser outro que não um longa malformado e pouco cativante.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.