“O FASCÍNIO” – Escolhas desapontadoras
O gênero terror é maleável a ponto de apresentar subgêneros e estilos específicos, cada um deles portador de convenções marcantes. Em cada caso em que roteiristas e cineastas se apropriam dessas marcas, uma questão se coloca como desafio: usá-las de modo convencional ou acrescentar uma relação autoral a elas? É possível refletir sobre tal ponto ao assistir ao filme italiano O FASCÍNIO, disponível na Netflix, especialmente no que se refere à maneira como ele lida com variações e referências.
Não se pode esperar que o roteiro possibilite inovações, já que a trama não oferece tanta originalidade. Emma viaja com sua filha Sofia para o sul da Itália, onde será apresentada à mãe de seu namorado Francesco, uma senhora que vive em uma antiga vila. Na noite em que Sofia é picada por uma aranha, o incidente banal logo se transforma em um pesadelo sobrenatural quando a menina adoece e manifesta sinais de possessão. Esse é o estopim para que Emma desconfie de todos naquela casa.
Na realidade, são alguns traços da ambientação proposta pelo diretor Domenico De Feudis que sugerem uma autoralidade no projeto. O espaço cênico favorece uma atmosfera de suspense místico, que envolve Emma e Sofia por serem os elementos externos àquele universo: a residência é cercada por uma extensa floresta preenchida por oliveiras e outras árvores imponentes. Sutilmente, a narrativa expõe como a natureza pode ter ligação com os eventos insólitos que acontecem com a família, desde o ambiente aparentemente convidativo que esconde aspectos misteriosos até a dinâmica incomum dos personagens coadjuvantes. Assim, a aranha que deflagra o mal na garota, o cão da casa que late a cada novo perigo, as árvores enormes que insinuam alguma paranormalidade e os saberes de Teresa que a fazem produzir remédios com ervas medicinais indicam como o próprio meio ambiente pode guardar seus segredos místicos.
Porém, o mistério em torno das árvores e das orações feitas por Teresa enquanto prepara suas curas jamais se desenvolve. Primeiramente, porque Mariella Lo Sardo e Raffaella D’Avella estão burocráticas como Teresa e sua funcionária Sabrina, ambas somente tendo que criar personagens dúbias que parecem ameaçadoras com pouquíssimas camadas dramáticas. Além disso, o cineasta não consegue dar tanta vida ao seu roteiro através da linguagem cinematográfica e utiliza recursos sem tanta expressividade: o movimento lento e lateral da câmera em cenas de suspense fora da moradia, o enquadramento distanciado dos personagens no fim de corredores e a trilha sonora misteriosa se tornam meros artifícios pontuais que não compõem uma unidade estética.
Em outro sentido, a narrativa também desperdiça o potencial de desenvolver o terror através das crenças locais e dos costumes de cidades do interior. Isso porque a produção abraça o estilo de casa mal-assombrada no primeiro ato e adota convenções do subgênero da forma mais genérica possível – cômodos proibidos, vultos enigmáticos, marcas incomuns no teto, portas fechadas subitamente, ataques de entidades sobrenaturais, segredos do passado e jump scares previsíveis, cada um desses aspectos está lá sem qualquer identidade específica. Nem mesmo o trabalho mediano de Mía Maestro e Giulia Patrignani, interpretando Emma e Sofia como personagens abaladas psicológica e fisicamente por um mal inominável, é suficiente para contornar a apropriação medíocre de elementos já vistos tantas vezes.
Além desses traços clássicos, a produção igualmente se assume como uma história de possessão demoníaca. Quando surge, a obra se perde na complexa tarefa de transitar por três propostas diferentes e não conseguir imprimir uma marca própria em nenhuma delas. No último caso, o tom genérico se sobressai ainda mais ao definir o arco da possessão com aspectos absolutamente previsíveis (as intenções do antagonista, as estratégias para superá-lo…). Mais uma vez, é criado um segmento que tem pouco a oferecer ao elenco, novamente para Mariella Lo Sardo e também para Riccardo Scamarcio (intérprete de Francesco), ambos inexpressivos para explorar os efeitos de um segredo escondido do passado e das consequências trágicas de escolhas ruins – o ator, em especial, se mantém burocrático mesmo nos momentos mais dramáticos próximos ao clímax.
Quanto mais o enredo que mistura casa mal-assombrada, possessão demoníaca e crenças locais no sul da Itália transcorre, mais cresce a sensação de que uma ideia mais promissora foi preterida. Em seu lugar, “O fascínio” empilha elementos trabalhados com muito mais eficiência em vários outros filmes capazes de construir uma visão mais singular do terror. Inclusive, o desfecho apontou simultaneamente como a humanidade pode lidar ambiguamente com a natureza e como a obra descarta essa possibilidade em favor de resoluções pobres e pretensamente inesperadas.
Um resultado de todos os filmes que já viu.