“O ESQUADRÃO SUICIDA” – O excesso do exagero em demasia
Existe algum exagero que seja positivo? Provavelmente, não. Uma das primeiras lições que uma pessoa aprende é a de que o excesso não é benéfico. O ESQUADRÃO SUICIDA assume seus excessos de peito aberto (às vezes, também de corpo nu ou seminu), o que se torna uma virtude em razão da honestidade. O filme não finge ser o que não é. Entretanto, um defeito assumido não deixa de ser um defeito.
Para impedir a continuidade de um perigoso projeto científico, o governo dos EUA recruta prisioneiros com habilidades especiais, capazes de se infiltrar na ilha de Corto Maltese e destruir tudo o que se refere ao projeto. Para a difícil tarefa, Amanda Waller escolhe a dedo os membros do grupo responsável pela missão potencialmente suicida.
Da sinopse (e, de certo modo, também do título) é possível extrair a ideia de descartabilidade que permeia a trama. Os funcionários de Waller (Viola Davis) apostam (literalmente) nos membros do esquadrão sabendo que nem todos vão sobreviver, resultado que não é do desagrado de ninguém do governo, desde que o êxito final seja alcançado. A proposta é que aquelas vidas não têm valor, o que tem uma consequência negativa, que é a distância entre o público e a maioria das personagens. Algumas delas, é claro, têm inegavelmente maior importância (artistas de maior renome dificilmente seriam contratados para morrer no começo). Porém, o excesso de personagens (Waller, Arlequina, Rick Flag, Capitão Bumerangue, Sanguinário, Caça-Ratos 2, Pacificador, Bolinha, Tubarão Rei, Sábio, Pensador, O. C. D., Doninha, Dardo, Mongal etc.) tem mais consequências negativas (falta de identificação, descartabilidade, desvio do foco, alongamento desnecessário da narrativa etc.) do que positivas (a diversão decorrente das interações entre eles e, claro, as mortes de vários deles).
“O Esquadrão Suicida” é um filme com a marca James Gunn, que dele participou na direção e no roteiro. Isso significa que há espaço para drama, porém diminuto (a cena em que Caça-Ratos 2 conversa com Sanguinário sobre seu pai), prevalecendo (e muito) a ação e a comédia. Na ação, o domínio técnico de Gunn é inquestionável, todavia os excessos se fazem presentes em opções como o exagero no gore e no uso de slow motion. As mortes poderiam ter doses mais moderadas de gore; o slow motion poderia ser empregado em menos ocasiões. Contudo, a moderação está longe do estilo do diretor. Como resultado, no ato final, o filme se torna repetitivo e cansativo. São tantas explosões, barulhos, tiros, mortes, desabamentos, dilacerações e pirotecnias que o cansaço é um desdobramento natural. Não são poucas as cenas inúteis (Tubarão Rei no aquário, o flashback de Caça-Ratos 2 com o pai mais ao final…) e provavelmente poderia ser tirada meia hora de filme sem prejuízo ao resultado final. A comédia é outro aspecto no qual o filme poderia ser reduzido: o humor de Gunn é, no mínimo, questionável (qual a graça em um homem musculoso de cueca sem motivo? O que há de risível no esquecimento de Milton pela Arlequina?), bem como repetitivo em demasia (a primeira piada sobre o déficit cognitivo do Tubarão Rei já foi o suficiente, tornando-se inócua quando repetida tantas vezes).
Gunn tem os melhores momentos de seu filme quando subverte as expectativas da plateia. Quando a ação é embalada pelo rock, não há surpresa; quando o que toca é “Just a gigolo (I ain’t got nobody)”, a contradição com o conteúdo da cena é estranhamente encantadora – trata-se, por sinal, da melhor cena do filme, protagonizada pela Arlequina e dividida em tiros, golpes, explosões e animações floris (o que é outra contradição interessante). Margot Robbie tem no longa a melhor participação da sua Arlequina, sobretudo porque ela é ferozmente independente (é inclusive inteligente a continuação da cena mencionada). Invertendo os papéis até então vistos, não é ela a personagem sexualizada, mas um homem que por ela tem interesse afetivo, outra subversão elogiável.
A falta de um fio condutor claro prejudica a narrativa – não à toa, o melhor momento em termos narrativos ocorre quando o espectador acompanha os atos do Sábio (Michael Rooker); depois disso, os vaivéns tiram qualquer limpidez que a trama pudesse ter, deixando-a desinteressante. Afinal, o que vai acontecer já é de todo sabido: tiros, explosões, golpes e mortes – além de muito barulho. Na parte política do roteiro, o acerto é eloquente: a crítica aos EUA é sincera e sagaz tanto em aspectos pouco agressivos (a falta de sotaque, a bandeira enorme atrás do grupo dirigindo-se à missão) quanto em seu lado mais ácido (a sátira ao belicismo estadunidense na fala de Sol, a menção aos negócios escusos do seu governo). Outro acerto está na ironia sadia aos millennials, retratados como preguiçosos quando confrontados por membros da Geração X (a cena em que Caça-Ratos 2 está em sua cela), assim como ignorantes quanto ao passado (a cena do retroprojetor) e idealistas em demasia (a conversa sobre amizade com o Tubarão Rei).
Se apostasse mais no discurso inteligente, um pouco menos na ação e bem menos na comédia, “O Esquadrão Suicida” seria um filme de maior valor. Da maneira como ele se apresenta, Idris Elba, Joel Kinnaman, Daniela Melchior, David Dastmalchian, Storm Reid, John Cena, Sean Gunn, Jai Courtney, Alice Braga, Peter Capaldi, Nathan Fillion, Mayling Ng, Pete Davidson – além, é claro, dos já mencionados Rooker, Robbie e Davis – estão apenas colocando um título descartável no currículo, tão descartável quanto a maioria das personagens que interpretam.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.