“O ESCÂNDALO” – Menor que o tema [21 F.Rio]
Em tempos de “MeToo” e lutas feministas por igualdade de direitos e contra abusos sexistas, uma história como a de O ESCÂNDALO se faz muita necessária. O tema do filme dirigido por Jay Roach se encaixa no contexto atual ao trazer o caso real de assédio na Fox News. Porém, a abordagem narrativa fica aquém do conteúdo: equivocando-se ao flertar com a comédia quando não deveria e carecendo de uma identidade visual própria, o diretor, sob o auxílio do roteiro, erra a mão no tom e emula o estilo de “A grande aposta” e “Vice” sem dar propósito a ele.
O assediador atende pelo nome de Roger Ailes, um gigante do telejornalismo e um dos antigos diretores do ramo de notícias da Fox. O poder que possuía e a carreira construída são devastados pela série de abusos sexuais cometidos contra um grupo de funcionárias. Quando elas declararam o que sofreram e abrem processos judiciais, o mundo passou a conhecer quem era, de fato, aquele homem.
Enquanto a produção descreve a trajetória das três principais mulheres, o resultado é, pelo menos, bastante irregular: Megyn Kelly é a jornalista que confronta Donald Trump durante a campanha eleitoral de 2016 e sofre com a oposição do eleitorado do candidato, interpretada com considerável presença cênica por Charlize Theron; Gretchen Carlson é aquela que perdeu prestígio na emissora, mas ainda tem uma combatividade contra o machismo exemplificada pelo processo feito contra Roger Ailes e pela atuação com semelhante força dramática por Nicole Kidman; e Kayla Pospisil é a novata na empresa, que ambiciona uma ascensão profissional agradando as pessoas certas, mas acaba sendo abusada pelo CEO. Essa última personagem indica a irregularidade porque, diferentemente da seriedade presente nas demais jornalistas, o desempenho de Margot Robbie é prejudicado por um texto que cria humor em ocasiões que não pedem essa reação e a torna caricata.
Inicialmente, os diferentes núcleos são acompanhados por uma montagem que interliga os arcos das mulheres com transições eficientes de situações afins vivenciadas por elas. Com o passar do tempo, entretanto, esse elemento se enfraquece porque a narrativa fica picotada saltando de um núcleo a outro para encerrar cada um dos conflitos levantados. Outro recurso que, apesar do bom uso inicial, também se perde, é a narração em off dos pensamentos das mulheres, que poderia acentuar o contraste em relação ao que podem dizer sem receios de perderem o emprego e os comentários sociais do lugar da mulher no mundo do trabalho. O que mais funciona é a interligação entre imagens de arquivo e ficcionais para, constantemente, reafirmar a realidade daqueles eventos (apesar de algumas mudanças com objetivos dramáticos) e potencializar o choque pela compreensão da grande quantidade de comportamentos abusivos.
No momento em que os casos de assédio sexual se tornam conhecidos, questões variadas são despertadas, nem sempre trabalhadas com cuidado por Jay Roach. O cineasta até aborda satisfatoriamente a disseminação da misoginia e do autoritarismo nas redes sociais e a influência da mídia em assuntos sociais e políticos fundamentais (tratando os interesses econômicos como um motor para a busca por maior audiência e a imagem conservadora como um atrativo para um perfil de consumidores). Porém, a crítica às figuras de autoridade esbarra em dois problemas: a caracterização de John Lithgow como Roger Ailes enfraquece a denúncia sobre seus atos, já que o roteiro lhe entrega passagens cômicas sobre sua mania de perseguição; e os questionamentos acerca do atual presidente norte-americano ocupam somente o primeiro ato do filme e são concluídos de modo apressado e decepcionante. Em geral, a recorrência de filmes de comédia em sua carreira sugere como Jay Roach abraça frequentemente a caricatura e simplifica questões mais controversas.
Quanto ao estilo narrativo, a referência aos trabalhos de Adam McKay se deve à presença do mesmo roteirista Charles Randolph. Por conta disso, são usados monólogos explicativos dos personagens para elucidar uma realidade complexa de muitos detalhes específicos e indivíduos em cargos importantes no universo jornalístico; a quebra da quarta parede para estabelecer uma comunicação direta com o espectador e usar um tipo de humor ácido e irônico que estimule a imersão na história; e uma dinâmica acelerada para o encadeamento das cenas e das explicações que dá a elementos herméticos uma aparência cotidiana. No entanto, falta unidade estilística no uso dessas técnicas porque elas não combinam propriamente com a proposta contundente de abordar o abuso sexual e os posicionamentos de quem relativiza a violência como se fosse simples brincadeira ou exagero das mulheres em busca de holofotes ou dinheiro. Além disso, tais artifícios muito chamativos contribuem para uma comédia fora do lugar e são abandonados rapidamente.
Através, então, de tentativas pontuais de humor, alguns arcos dramáticos interessantes, personagens caricaturais construídos, elementos menos explorados do que deveriam, superficialidade no tratamento de sérias questões, adoção de características pouco compatíveis com a proposta e uma história real que precisa ser contada, “O escândalo” se define como um projeto que não se sustenta plenamente. Isso porque ter um tema socialmente relevante não garante um filme bem-sucedido. No cinema, o enredo não se fundamente apenas por si só quando a forma de contá-lo possui fragilidades significativas.
*Filme assistido durante a cobertura da 21ª edição do Festival do Rio (21th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.