“O CHÃO SOB MEUS PÉS” – Pés e chão
É decepcionante que O CHÃO SOB MEUS PÉS escolha abordar um assunto relevante e pouco falado, mas com um trato errático. Quando o tema da obra enfim se consolida face ao espectador, este já se encontra desinteressado da trama e sem motivação para refletir.
A consultora de negócios Lola é a protagonista do longa, uma mulher extremamente dedicada ao seu trabalho. Quando Conny, sua irmã, é internada novamente em um hospital psiquiátrico, a solidez de sua vida começa a ruir.
Lola tem uma rotina exaustiva, com um trabalho desgastante que só não a afoga em razão de duas outras atividades: os exercícios físicos e a vida afetiva. Ainda que ela se dedique à saúde física, em corridas ao ar livre e na bicicleta ergométrica, a proporção é imensamente maior na dedicação à profissão. Quanto à vida afetiva, há uma tensão perigosa – sua namorada é também sua chefe, o que gera um questionamento lógico: o que prevalece?
O filme ressalta com uma insistência quase bovina o quão cansativa é a rotina de Lola, em especial no trabalho. Entre reuniões e viagens, sobra pouco tempo para cuidar de si do ponto de vista estético. Na prática, ela passa a adotar o penteado singelo da namorada (ao invés de manter os fios soltos) e a equipe de maquiagem coloca em Valerie Pachner olheiras para destacar seu cansaço.
Marie Kreutzer erra tanto quanto acerta em sua obra. No roteiro, é salutar a menção lateral ao machismo da área de business, o que é feito de maneira impecável no longa, sobretudo com uma personagem (o futuro cliente, que chama Lola de “enciclopédia com pernas”) e uma cena emblemática (a do banheiro). Por outro lado, mais ao final, a narrativa se perde e ganha um tom novelesco quando Lola briga com Elise (Mavie Höebiger).
Na direção, é positivo o uso de cores para contrastar Lola e Conny: a primeira usa sempre cores escuras, o que reflete sua personalidade sóbria; a irmã mais velha, ao contrário, veste cores claras, afastando-a da realidade. Contudo, elas talvez não sejam tão diferentes quanto Lola pensa. Salvo pelos sobressaltos de Conny (Pia Hierzegger), as duas têm semblante parecido, sem fortes emoções. É, todavia, graças à energia desta que sobra um fio de proveito em uma produção indecisa.
É nessa indecisão que reside o que há de mais negativo na direção, que sabota o próprio roteiro: trata-se de um suspense sobrenatural ou de um drama realista? No primeiro caso, nada explica a estética próxima à do terror (a ponto de colocar Elise na porta da casa de Lola, em uma penumbra, parecendo uma assombração). No segundo, salva-se o trato da homossexualidade, que não chega a ser um conflito em si mesmo (o relacionamento de Lola e Elise não tem especificidades concernentes à orientação sexual; o sigilo no trabalho seria justificado também em um relacionamento heteroafetivo), contudo a dúvida se o que acontece com a protagonista é ficção ou realidade diegética se torna uma falha na condução do longa.
Mesmo se ignorados furos de roteiro (como podem as ligações ser alucinações se outras pessoas as testemunham?), “O chão sob meus pés” não toma uma decisão definitiva – e irônica, dado o título brasileiro – sobre o viés que adota, se fantástico ou com os pés no chão. Com isso, o texto se torna superficial e nada atrativo. Não tarda para o público tirar os pés do chão e assim escapar do que está vendo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.