“O CANDIDATO HONESTO” – Uma pseudocomédia
O cinema nacional é muito diverso e capaz de produzir obras que variam de estilo e de temas por regiões, realizadores e épocas. Dentro de sua diversidade, ele também entrega um conjunto elevado de filmes padronizados sob a estética da Globo Filmes. No último caso está O CANDIDATO HONESTO, comédia sobre o corrupto político João Ernesto que se candidata à presidência e, durante a campanha, recebe uma mandinga da avó que o impede de mentir. O futuro político do candidato passa a correr risco com sua sinceridade inveterada e seu passado de corrupção.
Ter um tom cômico sobre um assunto sério não é tarefa simples, exigindo um cuidado apurado na dosagem do que poderia ser crítica irônica ou caricatura mal feita. O roteiro da produção não se equilibra nessa linha tênue e descamba para a construção de um ridículo e simplificador cenário da política brasileira: a predominância do discurso de que nenhum político é honesto e a corrupção é algo naturalizado no país como traço inevitável de sua formação. A transmissão de uma ideia assim acontece através de uma série de referências a frases marcantes da História (“Os fins justificam os meios de Maquiavel”; “sair da vida para entrar na História da carta testamento de Vargas”) e a personagens políticos ou a celebridades (Ulysses Guimarães, Getúlio Vargas e a apresentadora Ana Maria Braga). Todas as alusões são distorcidas de seu sentido original a tal ponto que o humor se perde e só se percebe uma manipulação forçada de alguma tentativa de crítica.
O desenvolvimento e a conclusão do tema ainda sofrem com um esforço para a criação de uma redenção. O roteiro tenta abandonar a crença inicial da impossibilidade de se superar a corrupção apresentando um fiapo de esperança na mudança, mas falha. Um fracasso ligado a duas razões: a falta de preparação dramática para a transformação de João Ernesto (repentinamente, ele questiona suas ações após uma ou outra sequência); e o excesso de piadas constrangedoras de humor físico e de escatologia ou sexualidade que orbita em torno do protagonista – é espantoso perceber como o diretor Roberto Santucci guia sua câmera de modo a valorizar piadas ofensivas e imaturas como se fossem o caminho adequado para o humor.
O cineasta também falha na condução de sua câmera para dar uma linguagem verdadeiramente cinematográfica à obra. O que impera é uma estética televisiva muito próxima das novelas da Globo, pois Roberto Santucci não cria planos ou movimentos de câmera complexos, significativos nem portadores de significados; ele apenas alterna os enquadramentos entre os personagens, cada um por vez. Além disso, em outros aspectos, o cineasta peca pelo exagero: prolonga a piada além do tempo necessário (o que enfraquece o timing cômico) e esfrega os sentidos de algumas sequências para o público além da necessidade (enquanto João conversava com um assessor de campanha sobre um esquema de corrupção, a televisão atrás exibia um tubarão engolindo um peixe pequeno).
A linguagem televisa não está apenas na direção, mas também em outros elementos narrativos. A trilha sonora composta por Fábio e Fael Mondego e Marco Tommaso se excede na criação de temas para momentos de comédia, ação e suspense e se torna óbvia e redundante demais. Já a fotografia criada por Nonato Estrela possui somente filtros de luz realistas, típicos de novelas globais, que desperdiçam a oportunidades de construir maior beleza visual ou significados dramáticos. Fica a sensação de que a história e as atuações seriam os únicos aspectos importantes do cinema – um erro grave não dar atenção a recursos técnicos que também pudessem estruturar a narrativa.
A fragilidade das piadas pode ser igualmente explicada pelo problemático desempenho de Leandro Hassum. O ator acredita que tantas caretas, gritos e inflexões vocais bobas sejam suficientes para gerar humor, mas não é isso que acontece. Das suas escolhas surge uma caricatura de excessos que atrapalha o timing cômico. A performance principal sofre, em outros pontos, com a direção de Santucci: o diretor não sabe como mostrar a contento como os atos corruptos do protagonista afetam sua família (mostrá-lo roubando num jogo de tabuleiro com os filhos ou dizendo frases que remetem à corrupção a eles são estratégias pobres e irreais para retratar seus comportamentos ilícitos); além do fato de que tanta liberdade de improviso dada a Hassum prejudica o nível das piadas e estimula um humor físico escatológico.
Quando os créditos finais chegam e são exibidas novas cenas de improviso de Leandro Hassum, “O candidato honesto” reafirma o que é. Um exemplar daquilo que o cinema nacional tem de pior: uma pseudocomédia que parece filmada no Projac da Rede Globo. Uma linguagem pobre que se multiplica no mercado cinematográfico e reduz o espaço e a visibilidade de melhores produções no país.
Um resultado de todos os filmes que já viu.