“O AVISO” – Quem avisa…
A Espanha possui excelentes exemplares do gênero suspense. O AVISO não é exemplo desse alto nível. Trata-se de um filme sobre a investigação de um padrão numérico sobre mortes ocorridas de tempos em tempos no mesmo lugar. Com esse singelíssimo enredo, os cerca de noventa minutos do longa soam arrastados e pouco eficazes.
O roteiro é elaborado a partir de duas linhas temporais. Em uma delas, praticamente solitário, está Jon, que é quem descobre o padrão numérico. Dividindo-se entre um preocupado investigador amador e um louco, Raúl Arévalo se esforça para tornar a personagem séria, porém seu viés caricatural é quase que acidentalmente cômico. Há algum esmero na caracterização de Jon: com naturalidade, o diretor Daniel Calparsoro mostra que ele ganhou uma olimpíada de matemática, que toma (ou, mais precisamente, deixa de tomar) um remédio para uma psicopatologia e que ouve rock enquanto reflete sobre a investigação.
No entanto, o filme não se decide se Jon é louco ou se sua teoria tinha embasamento. Nesse sentido, as cenas em que ele alucina e enxerga centopeias (ou alguma espécie animal similar) prestes a atacá-lo destoam do tom sóbrio que o longa tenta manter, além de não contribuírem com a produção de sentido que o filme tenta apresentar. A tentativa de uma metáfora sobre a libertação acaba sendo outra inutilidade dentro da película, tal qual ocorre com algumas personagens – como o oftalmologista e a namorada de seu amigo (no caso desta, sua contribuição é injetar drama na narrativa, sem, contudo, contribuir para a trama principal) – e mesmo com alguns elementos visuais (qual a utilidade da maquete montada por Jon? Por que recriar a cena do início, a título de subjetividade mental?).
O desenrolar da investigação de Jon também não é bem elaborado. Por exemplo, seu progresso é mal explicado, como quando fala com uma pessoa que, em tese, não saberia previamente o tema da conversa, mas que já tem um material que o auxilia nas buscas. Também as elipses não são boas, como ocorre quando Jon chega a uma idosa através de uma personagem sem relevância, que o dirige a outra personagem que sequer aparece.
Na segunda linha temporal estão Nico e sua mãe, interpretados por Hugo Arbues e Aura Garrido, respectivamente. Nico é a personagem que tem o arco dramático mais razoável no plot, sendo coerente em suas atitudes e bem interpretado por Arbues. Não que Garrido faça uma atuação ruim, mas a incoerência de Lucía é gritante. Para uma mãe preocupada e protetora, ela acerta ao agir de modo diligente com a carta recebida pelo filho, porém acaba se perdendo (e perdendo o espectador, que, em sã consciência, não aceita a decisão) ao levar o filho à loja. O roteiro faz do gênio da matemática um ingênuo e da mãe zelosa a corporificação da imprudência.
A trama de mãe e filho, entretanto, é melhor dirigida, como se vislumbra na fotografia, bastante atenta em explorar o ambiente urbano onde eles moram, com establishing shots cinzentos (prédios, carros etc.) e, residualmente, áreas arborizadas. Na trama de Jon, diversamente, o foco nele não diversifica a estética do filme, que se tornaria cansativo se ficasse só nisso. Não obstante, o longa acerta na trilha musical, que é a grande responsável pela atmosfera de suspense eventualmente criada, assim como no clímax – seu ritmo lento, associado à montagem paralela, consegue gerar tensão no público, apesar da ausência de surpresa.
Do ponto de vista temático, o roteiro explora dois temas bastante atuais e relevantes, todavia decepciona pela superficialidade. O bullying sofrido por Nico sequer recebe explicação quanto ao motivo (o menino simplesmente sofre, não se sabe por que nem há quanto tempo), enquanto a eutanásia, apesar da delicadeza no trato, é explorada de maneira cartesiana (alguns são a favor, outros são contra; existe a possibilidade de melhora, mas também o paciente pode ter sua condição de saúde estagnada por tempo indefinido – simples assim). Nesse caso, coerência não falta, já que o roteiro deixa diversas pontas soltas, em especial em relação ao pai de Nico e o nexo lógico (além do aritmético) entre os crimes.
Diz o ditado que “quem avisa, amigo é”, então é melhor avisar: existem suspenses melhores que “O aviso”, inclusive produzidos na Espanha.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.