“NYAD” – Afogando na própria mediocridade
Muitos insistem na superação da própria humanidade. O desejo de alcançar feitos nunca antes realizados, entrar para os anais da história e subverter os limites naturais, já imortalizou uma série de personalidades. É o caso de NYAD, nadadora reconhecida por uma grande proeza que só viria a conquistar aos 64 anos de idade. Carregando o seu sobrenome, o original Netflix retrata o ano da tal realização e tenta discutir os ímpetos que nos impedem de dormir à noite.
Batizada a partir de um mito grego, a ninfa Diana Nyad construiu uma carreira totalmente baseada em grandes recordes e o cruzamento de corpos de água cada vez maiores. O grande fantasma de sua vida surgiu das tentativas falhas de atravessar de atravessar os 189 quilômetros que separam Cuba e Flórida, proeza alcançaria apenas em 2013, 35 anos a primeira investida.
Dirigido por Elizabeth Vasarhelyi e Jimmy Chin, o filme remete ao passado da atleta através de montagens breves, focado no ano da tal conquista. Isso energiza o projeto ao autorizar o desenvolvimento, passo a passo, dos preparativos para a travessia, onde Annette Bening testa os limites físicos da própria personagem. As presentes passagens submersas destacam os movimentos e pulsões que percorrem o seu corpo, celebrando os impulsos capazes de subverter o envelhecimento. Esse tipo de enquadramento mais intimista, entretanto, e que preza por essas espontaneidades, é logo substituídos por um olhar massificado.
Ainda que entregue à amargura de uma desilusão bastante antiga, Bening entrega uma figura carregada pela necessidade de negar as próprias limitações. Isso oxigena uma personagem restrita ao pequeno recorte do longa, conquistando o espectador levado a conhecer um registro muito limitado da figura verídica.
Os inserts com cenas estilizadas da infância e juventude de Nyad – em que são reveladas interações com seu pai, treinos de início de carreira e demais lembranças mal resolvidas – não auxiliam nesse sentido. Eles simulam a granulação de filmes em película e reforçam a dificuldade do projeto em se desvencilhar da ilustração, sugerindo motivações e demônios internos nunca verdadeiramente explorados.
O caso é ainda pior com a personagem de Jodie Foster, por mais magnético seja o carisma do braço-direito da protagonista, Bonnie Stoll. A sua relação com a protagonista não se esclarece de fato, resumida à muleta de progressão narrativa e responsável pelo apoio incondicional à primeira. Somados às recriações digitais de tubarões e outros perigos do trajeto, aspectos como esse tornam a produção bastante vulnerável.
Esse mesmo uso de imagens de outra natureza, todavia, chama a atenção ao resgatar trechos de reportagens reais. O ruído digital do material verdadeiro questiona a narrativa fabulada, contrapondo o apontamento de repórteres e dados jornalísticos com os momentos de maior tensão por debaixo da água. Não demora muito, entretanto, para esse recurso encontrar a repetição e o próprio esgotamento.
Nesse mesmo viés, a introdução contínua de personagens secundários – e que jamais serão devidamente desenvolvidos, desbloqueando apenas obstáculos específicos – e a exploração clínica dos treinamentos higienizam a história de uma mulher percorrida por impulsos, e temerosa pela possibilidade de não alcançar o que sempre sonhou. Dentro desse formato, a exploração superficial de certas complexidades acaba neutralizando alguma instância das verdadeiras intenções de Nyad: o sonho de mostrar que todos podem alcançar o que desejam se tornam um delírio egocêntrico movido pela própria autodeterminação. Ainda que mesmo essa dualidade pudesse ser interessante, o filme não aparenta se interessar pela tal discussão, condenando sua protagonista incidentalmente.
É como se os moldes de um acabamento higienizado – a mesma imagem plástica do catálogo Netflix, a mesma estrutura narrativa exaustivamente utilizada, a mesma simplificação excessiva de complexidades reais que em muito agregariam à dramaturgia – neutralizassem a maior virtude do filme e sua personagem.
Desafiando limitações biológicas e pensamentos arcaicos, Diana Nyad superou o cientificamente impossível através da coragem de desafiar os contrastes entre a mente e o corpo. O extraordinário é atropelado pela imaginação estéril de uma equipe especializada na reprodução de um mesmo visual e esqueleto narrativo, sabotando o instinto primário que imortalizou a nadadora e seus feitos. Por mais que a leveza e simplificação do projeto possa facilitar para alguns espectadores, devemos torcer para que diminuam as brilhantes histórias reais revertidas em dramatização barata.