“NOVA ORDEM” – Acima de tudo e de todos [44 MICSP]
Quem tem o poder? Às vezes, é quem tem o dinheiro. Em outras ocasiões, é quem tem a força. No primeiro caso, sociedades capitalistas atrelam poder ao dinheiro; no segundo, sociedades mais primitivas fazem a associação entre força e poder (entendendo-se o termo em seu sentido clássico, da teoria política, qual seja, de capacidade de determinar o comportamento alheio). NOVA ORDEM é um conto interessante sobre as relações de poder, porém não impressiona enquanto filme.
Em um bairro chique na Cidade do México, Marianne e Alan estão prestes a se casar. Fora da residência onde será celebrado o casamento, contudo, o município é tomado por manifestações populares. Duas visitas inesperadas têm o potencial de impedir a união do casal.
O roteiro de Michel Franco começa com um mistério, o que inclui um red herring com uma torneira. O que Rolando quer é somente dinheiro? Haveria um escopo além do manifestado? É tudo pretexto, todavia, para uma história maior, cujo precedente é um decepcionante vazio (qual a razão da tinta? O que motivou os protestos?), isto é, o script deixa algumas lacunas. O que importa, porém, é que o texto serve de metáfora para a visão do diretor/roteirista sobre a sociedade.
Um primeiro aspecto da visão de Franco se refere às classes sociais, distinguindo visual, textual e contextualmente os ricos dos pobres. Do ponto de vista visual, o bairro dos ricos (empregadores) é geralmente filmado de dia e é um local onde prevalecem cores claras como o branco e o nude, ao passo que o bairro dos pobres (empregados) é o oposto (filmado à noite e com cores escuras, especialmente tons terrosos e acinzentados). No texto, a contraposição ocorre por força das relações de trabalho, sobretudo mais ao final (a permissão de trabalho, o spray etc.). Contextualmente, basta ressaltar a diferença do atendimento médico. Em adição, também a montagem, em movimento pendular, estabelece as distinções.
Não obstante, em “Nova ordem”, o poder não vem do dinheiro, o que significa que o que faz o longa não é uma crítica ao capitalismo. Ao revés, as relações de poder vêm da força, no sentido de força bruta, fazendo recordar os instintos mais primitivos dos seres humanos. Há uma guerra de todos contra todos, os mais frágeis são os que tentam fazer o bem. A boa-fé pode ser punida da maneira mais severa; a religião pode ser, no máximo, um alento (recorde-se a igreja lotada durante a missa).
Trata-se de uma produção violenta, porém sem o sadismo de inúmeros outros filmes. A violência gráfica é geralmente justificada, assim como a nudez. São cenas fortes, mas que não querem chocar imotivadamente. Banais, naturalizadas, mas não excessivas. Por outro lado, Michel Franco não demonstra uma habilidade sofisticada na mise en scène, exceto em algumas cenas bem específicas (como naquela em que uma mulher sorri no alívio do silêncio, que, todavia, é quebrado por um ato de violência que não aparece).
Na estética, o uso das cores é fortemente simbólico, como o terninho vermelho de Marianne (que a destaca de tudo e de todos, já que seu arco narrativo merece destaque) e o verde da tinta (não se justifica a tinta, mas a associação da cor é óbvia). O quadro presente na sala da casa da família de Marianne é símbolo coerente com a proposta: a nova ordem é a desordem.
A sociedade retrocede, (quase) todos querem tirar vantagens uns dos outros. As regras (toque de recolher, controle de água, limitação de vias públicas etc.) não constituem organização, mas opressão. Com um pouco de inteligência – não uma perspicácia extraordinária, uma mera aliança entre oportunidade e um mínimo de raciocínio lógico -, quem tem a força está acima de tudo e de todos.
De tudo e de todos.
* Filme assistido durante a cobertura da 44ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.