“NOITE INFELIZ” – Boa ideia, boas referências, resultado aquém
Considerando a sua premissa, havia duas opções para NOITE INFELIZ. A primeira era se tornar um filme natalino edificante, transmitindo uma mensagem que estimule as pessoas a agirem de acordo com o que é conhecido como “espírito natalino”, com valores como paz e fraternidade. A segunda, mais provável, era se tornar um filme de ação sanguinário e cheio de adrenalina, distanciando-se dos clássicos. Os públicos são bastante distintos e provavelmente o longa não conseguirá atingir nenhum deles.
É Natal e, apesar de estar cada vez mais desanimado, o Papai Noel continua seu trabalho de entregar presentes para aqueles que se comportaram bem durante o ano. Ao mesmo tempo em que chega à casa de uma família rica, ele se depara com mercenários cruéis e perigosos que sequestraram os familiares para um assalto. Apenas o “bom velhinho” pode salvar o dia, mesmo que para isso precise lutar com cada um dos bandidos.
A ideia de criar um Papai Noel badass é muito boa, principalmente porque ele é bravo e resistente, mas não invulnerável. Ainda que tenha alguns truques, no geral Noel é um homem comum, que apanha dos criminosos, se machuca gravemente, fica com raiva, sente empatia e assim por diante. À mitologia comum da figura natalina (biscoitos e leite, ingresso pela chaminé, lista dos bonzinhos etc.) foram adicionadas duas características deveras enriquecedoras para a personagem. A primeira é um backstory inoportunamente verbalizado, mas imageticamente instigante; a segunda é uma personalidade jocosamente grosseira.
Bastaria o corpo de David Harbour, quando exibido, para demonstrar que sua versão do Papai Noel tem um passado de luta (em sentido literal). Quando ele narra esse pretérito, ainda que de maneira breve, em um diálogo com Trudy (Leah Brady), o filme fica no meio do caminho entre a sugestão e a exposição e, o que é mais grave, em um momento incompatível com a urgência exigida pela narrativa. Não se trata da dose gigantesca de suspensão da descrença exigida pelo roteiro de Pat Casey e Josh Miller, a questão é que é incoerente impor à trama um problema temporal (os criminosos têm pouco tempo para subtrair o dinheiro da família antes que o resgate chegue, e, além disso, estão à procura de Noel) para depois dar ao herói tempo suficiente para contar para Trudy o que fazia antes do “emprego” atual. Por outro lado (e esta já é a segunda característica), é interessante a desconstrução de uma figura mítica, mais ainda pela maneira extrema como ocorre essa desconstrução. Harbour diverte muito ao encarnar um “bom velhinho” que não é velho (basta ver o quanto resiste), muito menos bom (fala palavrões, arrota, fica embriagado etc.).
O texto de Casey e Miller funciona melhor ao denunciar as contradições, mesmo que de maneira irônica, do que ao elaborar uma crítica social. O Papai Noel está desiludido com o caminho que a sociedade tomou, com o império do consumismo e do egoísmo, entretanto o longa não é capaz de aprofundar essa crítica. É por isso que é melhor quando detecta a hipocrisia dos setores ricos (os vídeos gravados por Bert, que não condizem com sua postura ao não gravar) ou mesmo o egoísmo incorporado por Alva (Edi Patterson). A ideia de fazer um vilão cuja vilania seja resultado de traumas de infância não é original, mas isso não é ruim porque seu nome é referência da inspiração – o que é ruim é a forma sucinta com que isso é revelado, sem uma elaboração convincente.
Como conclusão desse panorama, “Noite infeliz” não consegue veicular uma ideia governante que exalte valores natalinos – aqueles valores daquelas músicas já mais que conhecidas, que, todavia, poderiam estar mais presentes na obra. A segunda opção era se tornar um filme de ação com toques de comédia. Enquanto o Papai Noel ficaria com prioridade na ação e alguns momentos de comédia, o humor foi atribuído a Morgan (Cam Gigandet), um coadjuvante sem relevância que deixa claro que os familiares – Gertrude (Beverly D’Angelo), Alva, Jason (Alex Hassell) e Linda (Alexis Louder) -, em termos narrativos, são meramente instrumentais (para haver algum nexo justificador das batalhas) e, portanto, vazios.
Na ação, o diretor Tommy Wirkola consegue apenas três boas cenas: a luta no depósito, a menina no sótão e a última luta. É perceptível, todavia, que as três são insuficientes: a primeira porque o exagero da penumbra, mesmo que narrativamente justificável, prejudica a visibilidade, o que é agravado com cortes desnecessários; a segunda, porque é uma repetição desavergonhada de “Esqueceram de mim” (clique aqui para ler a nossa crítica), referência inclusive explícita que não seria um demérito se não fosse um dos pontos altos do filme; a terceira é boa, mas não pode ser considerada um grand finale. A rigor, o longa demora muito para explorar o gênero, apostando mais na violência do que na adrenalina. Distante de um “Duro de matar” e de “Um conto de Natal” (ambos também referenciados), trata-se de uma produção incapaz de entrar no rol das obras natalinas inesquecíveis.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.