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“NINGUÉM SAI VIVO DAQUI” – Sofrimento em uníssono

A urgência de denunciar destratos humanitários pode encontrar diversos caminhos no cinema. Da emulação de atmosferas opressivas ao debate social sobre práticas sistêmicas, muitos realizadores acabam sendo tomados pela ânsia de se utilizar de pautas consideradas importantes – ainda que muitos sejam, sim, bem intencionados -, em detrimento do planejamento linguístico de suas obras. Esse é o caso do unidirecional NINGUÉM SAI VIVO DAQUI, que se aprofunda sobre os escombros do maior hospital psiquiátrico da história do país, o Hospital Colônia de Barbacena.

Após ser internada sem um motivo aparente, a jovem Elisa começa a investigar o centro psiquiátrico de Barbacena, onde passa a testemunhar uma série de abusos físicos e psicológicos. Ela se alia a outras internas, e juntas começam a reinvindicar melhores tratamentos e respostas sobre as razões de estarem ali. Conforme a luta se torna cada vez mais complexa, fugir passa a ser a única opção.

Da cena de abertura ao encerramento, a direção de André Ristum preza pelo desconforto a cada passagem. A paisagem sonora preza pela valorização dos gritos, aprofundando o clima de tensão pelo detalhamento imersivo e que opta por transformar o espaço, junto dos demais fatores, naquele mais crível possível. A câmera vaga por espaços de produção robusta, que recriam o hospital que funcionou desde o início dos anos 1900 até a década de 80, e a fotografia em preto e branco valoriza o contraste entre as fontes luminosas esterilizadas e a escuridão dos cômodos nada convidativos.

(© Gullane / Divulgação)

Ainda que esse senso imersivo seja bem fundamentado, não demora a pender para a espetacularização, investindo em um estetitização que prioriza o visual como a sua instância prioritária. Embora certas passagens se beneficiem desse apuro técnico – vide a sequência da festa junina, quando um contraluz específico coloca personagens em um limiar entre a carne e a ilustração -, isso torna o projeto refém das próprias aparências.

É como se o filme não acreditasse no horror imanente dos acontecimentos históricos e em sua bagagem emocional. Surge a necessidade, desnecessária, de estilizar os dramas daquelas personagens, resumidas ao acabamento imediato dos desenhos de luz e dos enquadramentos “bem compostos” que compõem a montagem. Não existe uma preocupação, por exemplo, com a individualização estética daquelas personagens, enquadrados por um mesmo prisma e reduzidos a leituras que os generalizam – à exceção da protagonista de Fernanda Marques.

Indo além, essa caracterização única, que se recusa a construir uma estrutura de modulações – sempre pontuando esse mesmo desequilíbrio, a mesma insatisfação da figura central – expulsa o diálogo com o espectador. O esclarecimento daquilo que se deve refletir a respeito acaba sendo redesenhado incontáveis vezes, contornando um mal subjetivo com extrema objetividade. Cria-se uma narrativa de maniqueísmos, pouco atenta aos entremeios do sistema sendo ali denunciado. Isso está longe de duvidar dos fatos, imortalizados na história do Brasil a partir de diversas fontes.

A fraqueza se encontra no discurso fechado em si mesmo, que inviabiliza a contribuição daquele que o testemunha, se não apenas concordar com a mensagem humanista. O conjunto surge pronto, didatizando os processos de construção e bloqueando o navegar do espectador pelo produto indeciso, divivido entre a experimentação sensorial e o planfeto político.

Em relação à última questão, é igualmente prejudicial como o filme permanece nesse meio termo, se restringindo de explorar o cinema de gênero – do qual em muito poderia se beneficiar, amplificando seus artíficios de terror e construção visual -, e apenas sugerindo a sua presença no DNA do projeto, e ao mesmo tempo pecando na construção dramatúrgica de sua protagonista. Projetada para representar toda e qualquer vítima da história do Barbacena, a sugestão de seu passado e contexto acaba minando o seu potencial dramático, distante ao desfecho da produção.

Sendo assim, “Ninguém sai vivo daqui” sofre de sua atmosfera unitonal, incapaz de pontuar qualquer nuance para além da opressão. Seu projeto estético é quase publicitário, e o visual se sobressai às escolas linguísticas e de significado, minimizando o verdadeiro, e verídico, peso por detrás do projeto. Ainda que se destaque por algumas escolhas de enquadramento, a artificialidade afeta discursos e personagens. Ao final, resta muito pouco que não seja uma caricatura de um dos episódios mais sombrios do nosso país.