“NADA DE NOVO NO FRONT” (2022) – Mensagem pulverizada [46 MICSP]
É irônico que NADA DE NOVO NO FRONT (de 2022) seja, literalmente, um filme sem novidades. Seu roteiro é baseado em um livro, que, inclusive, já teve adaptação cinematográfica em 1930. Mesmo sendo inquestionavelmente uma superprodução, tendo em vista sua ideia governante singela – de que a guerra é ruim -, a ausência de inovação o impede de se tornar um grande filme.
Acompanhando seus amigos, o jovem Paul decide se alistar durante a Primeira Guerra Mundial. A empolgação inicial se esvai à medida que ele testemunha os horrores das batalhas e corre riscos a todo momento.
O livro de Erich Maria Remarque é adaptado para as telas pelo diretor Edward Berger e os demais roteiristas, Lesley Paterson e Ian Stokell. O trio do script, todavia, não consegue ser convincente no ímpeto dos jovens em se alistar (algo que provavelmente o livro desenvolve melhor). Fica claro o entusiasmo dos rapazes em servir sua nação, mas há uma lacuna sobre como esse entusiasmo coletivo efetivamente surgiu. Evidentemente, é possível supri-la imaginando que eles são alavancados por uma cultura patriota e pela vontade de amadurecimento, porém isso não está no filme.
No começo, então, Paul usa de quaisquer artifícios para poder se alistar. Quando o general discursa, os olhos dos novos soldados brilham com uma romantização precipitada da guerra e convencidos pela fala de que eles são o futuro da nação. Pouco a pouco, eles descobrem que a realidade não condiz com o que imaginavam, como expressa Ludwig ao afirmar não sentir as próprias mãos. Para Paul (Felix Kammerer, impecável nas nuances de um papel cuja personalidade esperançosa dá lugar a um desespero perene), a virada parece ocorrer em uma cena nas trincheiras quando, após declarar que seus “primeiros franceses” (que mataria) estavam se aproximando, ele leva um susto que poderia ter sido fatal. Até então, tudo parecia uma brincadeira que inclusive faz sentido para os jovens, cuja imatura se revela, por exemplo, na aventura na fazenda, e cujo desejo carnal se faz presente quando Franz, sem hesitar, corre até um grupo de mulheres.
O filme utiliza bem elementos simbólicos como o pôster encontrado por Krapp, o lenço recebido por Franz e, especialmente, as identificações dos soldados. No último caso, há a representação de um ciclo perverso promovido pelo espírito bélico de pessoas como o General. Em determinado momento, Paul e os amigos são ensinados que as armas devem ser limpas e guardadas como uma mulher, discurso que objetifica as mulheres e humaniza os rifles, uma inversão de valores percebida apenas pela personagem de Daniel Brühl. A presença do ator é sempre positiva em razão de seu talento, ainda que, aqui, sua personagem não tenha um encaixe adequado na narrativa – isto é, surge repentinamente sem maiores explicações e funciona como mero contraponto ao maléfico general alemão. Mesmo fazendo parte da delegação alemã, a personagem de Brühl é a única que, acertadamente, a direção não cerca de pompa. De maneira diversa, o general, por exemplo, está em locais pacíficos regados a comida farta e bebida de qualidade (se dando ao luxo de até mesmo dar restos a seu cachorro, cuja vida ele claramente valoriza mais que as dos soldados).
O filme é uma superprodução primorosa enquanto tal. O design de produção cria cenários extremamente convincentes, ocorrendo o mesmo com os uniformes sujos dos soldados e eventuais maquiagens de poeira e lama. Não há restrição alguma em mostrar o que é visto em batalhas: bombas, tiros, sangue espirrando em rostos diferentes da pessoa atingida, corpos dilacerados e cadáveres empilhados aos montes. É tudo bastante naturalista e digno de nota pela impecabilidade. No som, em meio ao alto volume dos ruídos diegéticos surge uma Leitmotiv embalada por três notas impactantes. Ainda mais impactante é a impressionante sequência em que o confronto se torna mais difícil por força de novos aparatos utilizados pelos franceses, na qual a tensão é crescente e o desespero é transmitido ao espectador.
No que se refere ao seu discurso, “Nada de novo no front” não é ambíguo como “Apocalypse now”, mas também não é incisivo como “Nascido para matar”. É tranquilo afirmar que se trata de um filme antiguerra, já que a narrativa segue quase exclusivamente os sofrimentos de Paul após o alistamento. Por outro lado, a fotografia do longa é um pouco contraditória em relação a essa ideia governante: gélida, a exposição de uma natureza alheia às agruras humanas tem uma inegável beleza que não condiz com o que a obra parece querer dizer. Há muitos planos de mera admiração das paisagens que devem ser apreciados, mas que ofuscam, ao menos em parte, as experiências traumáticas de Paul. Ainda mais grave: a fotografia é bela, mas não inesquecível; se a narrativa também não traz nada novo, o filme como um todo deve cair no esquecimento logo depois que a sessão acaba. E esse é o pior resultado, pois pulveriza a sua mensagem.
* Filme assistido durante a cobertura da 46ª edição da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.