“MUSEU” – No limite da ousadia [20 F. Rio]
MUSEU é um filme de ousadias. O protagonista se arrisca ao praticar um crime desafiador que repercute em toda a sociedade mexicana. O diretor Alonso Ruizpalacios se arrisca ao utilizar vários recursos visuais distintos e chamativos de sua intervenção constante na narrativa. Algumas ousadias funcionam, outras, nem tanto. De toda forma, um filme de forte personalidade surge dessa combinação.
Na trama, os estudantes Juan e Wilson invadem o Museu de Antropologia na Cidade do México para roubar 140 peças de origem maia e vendê-las para negociantes de artes. Porém, com o passar do tempo, os dois se questionam se o plano pode funcionar. O filme não apenas aborda o roubo em si, como também as consequências do ato e seus significados para os dois amigos – para cada um dos aspectos da história, o cineasta utiliza elementos estéticos nada discretos e diferentes gêneros.
As variações no tom são perceptíveis em cada um dos atos: até a realização do roubo, a narrativa assume características de suspense com uma fotografia noturna e uma montagem acelerada para criar tensão; após o crime, uma atmosfera tragicômica ganha espaço ao mostrar as ações absurdas e inexplicáveis realizadas pelos dois estudantes – entretanto, é nesse momento que o ritmo do filme se arrasta e perde a fluidez até então estabelecida, pois repete, além da conta, situações de degradação moral e psicológica de Juan. O entrecruzamento de gêneros já é indicado na frase de abertura “baseado numa réplica do original”, referência tanto a termos comuns da museologia quanto à impossibilidade de se levar a sério demais o filme.
As escolhas narrativas fazem com que Alonso Ruizpalacios corra o risco de parecer um diretor pretensioso, dada a quantidade de recursos diferentes usada. A maior parte de suas decisões define um estilo muito particular com funções dentro da trama: os cortes rápidos e a inserção dinâmica de planos e imagens, que remetem às ações e às condições emocionais dos personagens, no primeiro ato; a estilização do roubo através de cortes rápidos, de sequências encadeadas em um silêncio absoluto e da fotografia sombria feita por Damián García; os movimentos de câmera lentos e expressivos dos dois últimos atos (como a cena em que se enquadra um aquário enquanto os personagens conversam sobre um naufrágio); e uma sequência absurda de briga para ridicularizar Juan, através de um estilo cartunesco e de sons de golpe típicos de um desenho. Por outro lado, o ritmo mais lento dos dois últimos atos e a trilha sonora muito intrusiva são os pontos que deixam a desejar.
Apesar das oscilações no ritmo, os acontecimentos após o roubo são relevantes para descrever o protagonista Juan. O crime em si é ponto de partida para entender como o personagem é o símbolo de uma geração de jovens supostamente politizada, rebelde (mesmo sem ter uma causa bem definida), questionadora (em termos bem simplistas) e desorientada na vida e na família. A atuação de Gael Garcia Bernal transmite muito bem as contradições em torno de sua personalidade, alternando entre a suposta certeza ideológica que tem e as dúvidas acerca do que fazer em seu futuro – a narrativa em voz off de seu amigo Wilson (Leonardo Ortizgris) é bem empregada para destacar ainda mais as incongruências do amigo.
Aparentemente, Juan tem um posicionamento crítico sobre muitos temas. À medida que seu raciocínio é exposto, porém, percebe-se a superficialidade de seu pensamento: estraga a festa de Natal em sua família por achar uma festividade meramente capitalista; acredita que os museus prejudicam a verdadeira arte, já que os artefatos arqueológicos deveriam ficar com os povos que os produziram (apesar de roubar e tentar vender peças maias a um inglês); enxerga a História como algo que não pode nem ser parcialmente reconstruído (as motivações das pessoas do passado jamais poderiam ser entendidas, nem por elas mesmas em muitos casos). Toda sua visão de mundo deturpada o leva a pensar que o roubo daria direção à sua vida.
O próprio propósito do crime é o ponto chave para entender a falta de rumo do personagem. Duas sequências são feitas, especificamente, para expor a ausência completa de justificativa para sua atitude: o flashback que insinua a possibilidade de um roubo dar uma guinada em sua vida e a discussão com o pai aturdido ao descobrir o envolvimento do filho no roubo. A partir delas e da abordagem feita pelo diretor, fica evidente como Juan não sabe o que está fazendo – a sequência irreal em que tenta vender os artefatos ao negociante inglês prova sua ingenuidade e ruína existencial.
O público que assistir a “Museu” esperando um filme de ação ou mistério pode se sentir decepcionado. O caminho trilhado é inesperado e segue em direção a um estudo de personagem tragicômico, a princípio cheio de certezas, que se desmorona quando o choque da realidade é muito forte. O estilo de Alonso Ruizpalacios se faz muito presente no tema e na estética. Características tão marcantes que, por pouco, não o tornaram excessivamente pretensioso. Contudo, o alto nível, por vezes, alcançado só não é mantido por conta da queda de ritmo no ato final, uma desvantagem quando se tenta realçar demais a mensagem.
*Filme assistido durante a cobertura da 20ª edição do Festival do Rio (20th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.