“MORBIUS” – Tal qual um vampiro
O vampiro é um ser mitológico que se alimenta do sangue alheio para sobreviver. Ironicamente, o que ocorre com MORBIUS é exatamente isso: um filme de vampiro que, tal qual um vampiro, se alimenta dos outros para sobreviver. Não há nada original ali e, ainda mais grave, inexiste uma identidade visual capaz de individualizar o longa. Para piorar, o filme deixa claro que quer se tornar uma franquia.
Padecendo de uma doença rara, Michael Morbius dedicou sua vida a encontrar uma cura para si e para os outros na mesma condição – inclusive seu amigo de infância, Milo. Sua nova pesquisa usa o DNA de morcegos, uma aposta que dá certo, porém com surpreendentes efeitos colaterais. Michael se livra da doença, tornando-se, todavia, uma espécie de vampiro com super-poderes.
Não há uma identidade visual na obra de Daniel Espinosa. O prólogo, que se passa na Costa Rica, é graficamente razoável, porém as cenas seguintes parecem ter sido concebidas por várias pessoas diferentes. As referências do longa não são ruins: “Matrix” nas cenas de ação, sobretudo as que envolvem armas de fogo; “Nosferatu”, na caracterização de Morbius e no nome do barco (Murnau); e “Homem-Aranha” (o de 2002), nas cenas de descoberta dos poderes e mesmo do “novo corpo” do protagonista. Não bastam, contudo, as boas referências, pois elas são mal utilizadas. Os três filmes são de gêneros distintos (ficção científica, terror e ação, respectivamente), o que não impede a mescla, mas a torna difícil. No caso de “Morbius”, claramente o filme não sabe o que quer ser.
A obra flerta com o terror nas cenas com pouca iluminação (principalmente antes do aparecimento do vilão), cujo ápice está na cena em que a enfermeira está em um corredor cujas luzes acendem e apagam de maneira intermitente (há inclusive um jump scare na cena). Aproveitando-se do sucesso da franquia “Venom”, não basta um easter egg completamente desnecessário em uma piada ruim, o humor, ainda que diminuto, é pavoroso (a água benta, a luz do sol etc.). Querendo se aproveitar do sucesso alheio, Michael Keaton aparece na pele do Abutre (o mesmo vilão de “Homem-Aranha: de volta ao lar” – clique aqui para ler a nossa crítica) apenas e tão-somente para acenar por uma continuação. As cenas de ação não são de todo ruins, mas reafirmam a dificuldade de Espinosa em lidar com mais de um gênero dentro da mesma obra, não lhe concedendo unidade. Exemplo disso é o romance de Morbius com sua colega, a dra. Bancroft (Adria Arjona, em desempenho irrelevante), algo previsível, dada a proximidade entre os dois (e não seria um filme de super-herói se não houvesse algum romance), mas sem nenhuma química e trabalhado por saltos – parece que ela se apaixonou por ele em razão da transformação em vampiro, sentindo antes apenas compaixão.
O roteiro de Matt Sazama e Burk Sharpless é geralmente estúpido, mas não estúpido o suficiente para se tornar risível. São inúmeras lacunas, podendo-se citar a razão por que Morbius recusa o Nobel (qual a relevância da cena?), a explicação de como o policial interpretado por Tyrese Gibson sabe que Morbius tem nos origamis um passatempo e a explicação de como Morbius voa. Evidentemente, nem tudo ali precisa ser verossímil, no entanto o esmero na explicação da pesquisa do cientista, no começo, entra em descompasso com a ausência de alguns esclarecimentos, quando não com cenas nada críveis (em que presídio um homem qualquer se apresenta como advogado, visita o preso em sua cela e deixa dois objetos no local?). Não se fala aqui de transmitir veracidade, mas de parecer minimamente lógico. Isso também ocorre nas cenas que parecem ter sido abandonadas antes de encerrar, como quando o segurança de Milo chama Michael de aleijado (o que sugere uma vingança posterior, que não ocorre, tornando a fala absolutamente inútil) ou quando o policial pergunta a Martine se ela trabalha com Michael (questionamento que, isolado dessa forma, é igualmente inútil).
A maquiagem feita em Jared Leto é boa, não sendo possível dizer o mesmo da sua atuação. Matt Smith, ao contrário de Leto, parece se divertir (sua cena de dança, por outro lado, é um momento de “vergonha alheia”), mantendo todavia o mesmo nível de atuação. De certo modo, isso faz sentido em um filme em que o diretor não consegue adotar um critério para o uso de câmera na mão (empregando a técnica de modo aleatório), ratificando tratar-se de um filme qualquer. Gasta-se mais tempo com inutilidades (por que um flashback tão longo?) do que com a construção de um anti-herói capaz de interessar o público. Talvez “Morbius” não seja propriamente um filme, mas um adendo ao multiverso Marvel – iniciado com “Homem-Aranha: sem volta para casa” (clique aqui para ler a nossa crítica) – que se aproveita do sucesso deste e de outros para ter uma sobrevida. Tal qual um vampiro.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.