“MONEYBOYS” – Crônica de um melodrama postergado
MONEYBOYS tem os códigos narrativos do melodrama: a intensificação dos dilemas impostos ao protagonista, a exacerbação dos resultados do conflitos e o enfoque no sentimentalismo das relações. Ao mesmo tempo, o filme adia consideravelmente a adoção desse estilo. Na maior parte das quase duas horas de projeção, a construção estética, o desenvolvimento da trama e a caracterização do personagem principal divagam até chegar ao seu maior mérito dramático.
O percurso até o melodrama acompanha Fei, que ganha dinheiro com prostituição e o envia para a família na aldeia onde ela vive. Ele se relaciona com Xiaolai, outro garoto de programa. Um dia, Fei é violentado e Xiaolai parte em busca de uma vingança que causa sérias consequências. O protagonista, então, foge e, cinco anos depois, está em outra cidade se relacionando com seu amigo de infância Long. E o novo relacionamento se assemelha àquele vivido no passado.
C.B. Yi estabelece um padrão visual que não é difícil de perceber. A maioria das cenas é filmada com planos estáticos que centralizam os personagens no quadro e contêm movimentos sutis de câmera. As exceções ficam por conta dos momentos em que Fei se movimenta, como quando foge da área onde vivia com Xiaolai, porque são encenados em planos sequências que seguem o garoto de programa. Além das duas opções, o diretor cria também sequências que pretendem ser líricas e simbólicas, por exemplo, o deslocamento da câmera pelas rochas do mar e a iluminação expressivas da boate onde Fei dança com Long. O primeiro recurso funciona em parte ao destacar ações violentas ou discussões acaloradas sem mudar a perspectiva do que se vê, mas em situações comuns ou em diálogos corriqueiros pouco acrescenta. Sensação semelhante ocorre com as outras construções, pois ambas parecem demonstrações de estilo que têm pouco a dizer.
Em paralelo, a trama enumera diversos temas que fazem parte da trajetória de um jovem que se prostitui. O problema é a grande quantidade, que faz a narrativa saltar de um a outro sem conseguir explorá-los com tanta profundidade. Antes da aparição do título do filme, há as controvérsias na relação entre Fei e Xiaolai e o risco de encontros com desconhecidos. No decorrer da história, outras questões surgem: casamentos de fachada para proteger pessoas queer dos julgamentos da sociedade, batidas policiais para investigar acusações de tráfico de drogas, insatisfação moralista da família com a homossexualidade e a prostituição, choques entre gerações, diferenças entre a mentalidade tradicional de uma aldeia e o cosmopolitismo das grandes cidades, apreensão diante da solidão no futuro, descoberta da pessoa ideal para o relacionamento amoroso, reflexão crítica de Fong sobre uma espécie de “prostituição” realizada pelo capitalismo e divergências de temperamento entre Fei e Long. O que gira em torno das relações interpessoais entre os três principais personagens masculinos é trabalhado de modo mais eficiente.
No entanto, as dinâmicas entre eles custam a expressar os conflitos dramáticos que a obra quer construir. As escolhas estéticas desviam a atenção do espectador, o grande número de temas a serem discutidos sobrecarregam a trama e, por fim, o desenvolvimento do protagonista oculta o arco que ele precisa atravessar. Se a atuação contida e introspectiva de Ko Chen-tung pode dialogar com a encenação seca e rigorosa dos planos estáticos, destoa da abordagem mais intensa do melodrama com o qual a narrativa esbarra a todo momento para se tornar sem ressalvas. A cada minuto, os aspectos que formam o personagem indicam que esse é o gênero que C.B Yi gostaria de assumir, porém não o faz. A rejeição da família que acredita perder prestígio por conta dele, o apoio solitário da irmã, a solidão de quem não tem relacionamentos duradouros, o autocontrole excessivo de emoções (exemplificado pelo fato de não ter orgasmo nas relações sexuais vistas ao longo da produção) e a visão de mundo baseada na ideia de que a vida seria comer, beber, dar duro no trabalho e ganhar dinheiro.
A volta de Xiaolai e a convivência com Long no terceiro ato são os elementos que, enfim, fazem a narrativa encontrar o conflito dramatúrgico que tem mais potencial. Decisões formais podem ser bem-sucedidas esporadicamente, bem como os temas mencionados podem ter uma força social por si só, mas é o impasse gerado entre os três personagens que contribuem para a delimitação sobre o que a história seria. Como discernir o que é o amor se uma das pessoas envolvidas parece fechada demais para buscá-lo? O amor será conquistado a partir da idealização de uma relação do passado ou da abertura para algo novo no próprio presente? Em tese, o dilema do melodrama seria pautado no triângulo amoroso entre Fei, Xiaolai e Long, que se desenvolveu nas dúvidas se um antigo relacionamento marcado por uma tragédia poderia ser retomado e se uma nova paixão seria possível apesar das diferenças entre os eventuais parceiros. Na execução final, o impasse anterior se soma aos paradoxos de um protagonista que diz priorizar o trabalho mesmo sem sequer gastar o dinheiro que ganha.
Após boa parte do filme já ter transcorrido, C.B. Yi apresenta o que seria seu melhor conflito e constrói momentos mais interessantes do ponto de vista formal. As três sequências finais exploram as angústias internas de Fei em relação ao amor e aos desdobramentos de não buscá-lo efetivamente. Na cena com Xiaolai, a aproximação corporal que sugere o que não mais pode acontecer. Na cena sozinho com uma campainha tocando ao longe, o sofrimento do que está acontecendo no presente. E na cena com Long, a lembrança de um momento partilhado entre eles que sugere o que poderia ter acontecido. São três passagens que funcionam em conjunto e comunicam com mais força o melodrama que não se admitia até então. Ao final, é preciso esforço para extrair uma experiência expressiva de “Moneyboys“, o que até acontece, mas decorrido um tempo desnecessariamente longo.
Um resultado de todos os filmes que já viu.