“MOANA 2” – Menos um segundo filme do que o anúncio de um terceiro
O problema mais comuns dos filmes intermediários em uma franquia é que eles não costumam justificar a si mesmos, limitando-se a estabelecer uma ponte entre o anterior e o próximo, sem se tornar memoráveis. É justamente isso que ocorre com MOANA 2, que é uma continuação que pode ser resumida em pouquíssimas palavras, o que revela que, na verdade, ao filme falta algo fundamental.
Poucos anos depois da sua aventura com Maui, Moana é agraciada com um novo título junto ao seu povo. Com isso, ela recebe um chamado de seus ancestrais para uma tarefa ainda mais difícil que a anterior: encontrar Motufetu, a ilha escondida pelo deus das tempestades Nalo, para assim poder conectar outros povos da Polinésia. Dessa vez, ela contará com uma tripulação e com a ajuda de seu amigo semideus.
A tripulação de Moana já é a primeira falha do longa: os roteiristas Jared Bush e Dana Ledoux Miller não tiveram a capacidade de criar coadjuvantes interessantes em algum grau mínimo. Extremamente rasos, Moni, Kele e Loto são redutíveis a, respectivamente: o jovem forte fanboy de Maui (o que pode gerar risos da plateia infantil), o idoso mal-humorado agricultor que não sabe nadar (informações irrelevantes, inclusive) e a arquiteta hiperativa que aceita o fracasso com tranquilidade (o que poderia ser aproveitado pelo texto, mas não é). Matangi é outra personagem que poderia ser melhor aproveitada, mas existe a sugestão de que isso ocorrerá no terceiro filme (retornando ao problema dos filmes intermediários).
Enquanto sequência, é natural que haja conexões íntimas com o anterior, o que os diretores – além da roteirista Miller, David G. Derrick Jr. e Jason Hand – fazem com bastante habilidade na gramática daquele universo. Isto é, a produção guarda coerência com a sua antecedente do ponto de vista estilístico (como no estilo da animação), visual (como no uso intenso de tons de azul no vasto oceano) e sonoro (nos ritmos perceptíveis na trilha). Essa intimidade é ruim quando o elo de continuidade se transmuda para um elo de repetição. Existe, é verdade, uma ampliação do universo de Moana, como se dá na sua nova função e, principalmente, na ressignificação dos kakamora (o que os torna mais interessantes, graças a uma sequência bastante criativa e divertida, sem contradizer o primeiro filme). Porém, pouco de “Moana 2” é pensado para expandir, pois a maioria que está lá é voltado a reprisar o que já foi visto.
Nesse sentido, há certa ironia na letra da canção principal, “Voltar”, na qual a protagonista canta – à exaustão – que “é tão bom voltar ao que devemos ser”. Ainda que se considere que a obra se pauta na importância da ancestralidade, é preciso trazer algo novo para ser atraente. Situação semelhante ocorre com a canção “Além”, em que a protagonista demonstra curiosidade em relação ao que há no oceano e que ainda não conheceu, ideia que, a rigor, não difere muito da inicial. Além disso, o que ela encontra para “além” do que viu tampouco diverge, em termos narrativos, do primeiro filme. Em “Moana – um mar de aventuras” (2016), as músicas originais eram de Lin-Manuel Miranda, de modo que a continuação acerta ao não prosseguir com o (inexplicavelmente, dada a qualidade do trabalho) profissional. Porém, as composições são paupérrimas. “Quero ouvir um chee hoo”, por exemplo, faz “De nada” parecer Tom Jobim (apesar de sua melodia ser razoável e de o número, como aconteceu com o análogo do longa de 2016, apresentar riqueza gráfica pelo uso de técnicas distintas de animação). “Saber quem sou” tinha um ritmo de difícil esquecimento mesmo sem apelar para a reiteração de um trecho, algo que “Além” e “Voltar” não conseguem. Entretanto, as músicas no idioma polinésio, como “Tulou tagaloa (Sei e va’ai mai)”, são muito boas, em especial “Mana vavau”, que está na melhor cena da produção.
Mimetizando o longa anterior em diversos elementos, a cena de enfrentamento a Nalo é bonita e tem cores vibrantes (com destaque para o lilás, que, como tonalidade de roxo, geralmente é associada à morte), mas parece a aplicação de uma escala maior do que já foi visto (note-se que até mesmo os ataques de Nalo são lançados como os de Te Ka). Nem tudo em “Moana 2”, porém, é desprezível. Por exemplo, as lições aprendidas por Moana são valiosas, como a da perenidade da busca pelo autoconhecimento e a da eventual necessidade de pensar diferente para resolver problemas. Além disso, a relação da heroína com Simea esbanja afeto, participando ambas de um dos poucos números com emoção autêntica, o de “My wish for you (innocent warrior)”. O que falta à produção é individualidade, algo que o descole (de maneira relativa, evidentemente) da sua origem e lhe dê caráter singular. Ao parecer mais um pretexto para uma continuação do que um filme em si mesmo, basta assistir ao terceiro ato (que é quando há um crescimento vertiginoso, mas breve) e à cena pós-créditos para saber o que aconteceu e, sobretudo, o que acontecerá.
Em tempo: definitivamente, a Marvel fez escola…
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.