“MINORITY REPORT: A NOVA LEI” – Futuro próximo
À medida que o espectador se concentra nos dois pilares de sustentação de MINORITY REPORT: A NOVA LEI, é possível encontrar um ótimo filme. Embora o longa seja forçado em alguns aspectos e deixe a desejar em outros, trata-se de uma obra com virtudes que merecem atenção.
O ano é 2054, quando a taxa de homicídios chegou a zero graças a um programa do governo. Esse programa, desenvolvido pela Divisão Pré-Crimes da polícia, faz com que as pessoas sejam presas antes de cometerem o crime. O fundamento da prisão se baseia na previsão de três videntes, os precogs, cujas visões, transmitidas por computador, permitem que a polícia evite o crime e prenda o agente que iria cometê-lo. Quando uma das visões envolve o detetive John Anderton, ele corre contra o tempo para evitar que o futuro se consume.
Steven Spielberg enxerga um pouco além de 2054, mas sem absurdos. Não há delírios futurísticos como carros voadores, porém os veículos possuem acessórios que dificilmente serão comuns no primeiro século do terceiro milênio. A primeira base do longa é justamente esta: uma realidade ficcional bastante peculiar e um pouco exagerada, mas sólida e passível de ser vislumbrada. Com uma estética neonoir, o universo diegético fascina sem perder o espectador por excessos (é um futuro próximo, apenas não tão próximo quanto 2054). A rigor, boa parte do que está lá não destoa tanto da atualidade, como telas (de computadores) sem molduras, comandos de voz, intensa publicidade em todos os lugares e tecnologia de biometria.
A fotografia é cinzenta e usa um interessante efeito chiaroscuro (daí a ideia neonoir) para, através de iluminação bem branca, acentuar os contrastes do campo. Trata-se de uma atmosfera coerente com a proposta, que, de um lado, é de suspense, e, de outro, é de sci-fi. Na verdade, Spielberg mantém o espectador entretido justamente por brincar entre os gêneros. Nos minutos iniciais, há uma mescla de ficção científica e thriller: o primeiro gênero se encaixa na necessária explicação preliminar da diegese, que soa orgânica porque pautada em um caso concreto; é justamente o caso concreto que constitui um thriller (o plano em que o marido aparece no espelho é quase um jump scare). Não tarda para Spielberg colocar o astro do filme, Tom Cruise, para correr e desenvolver uma ação que, se não é completamente original, destaca-se pelo casamento com a ficção científica. O longa tem até sequências de terror, como as do consultório médico (que, a bem da verdade, não estão nos melhores momentos da obra, mas reforçam a sua versatilidade).
Cruise faz mais um papel de ação do que dramático, o que não significa que o roteiro, escrito por Scott Frank e Jon Cohen a partir do conto de Philip K. Dick, não traga essa dimensão da personagem. O detetive Anderton tem um pesado trauma pessoal que é essencial para a trama, todavia há uma ênfase maior na adrenalina. Seria benéfico ao script, por exemplo, abordar melhor o uso de drogas (que são válvula de escape e que poderiam ter efeitos colaterais), porém sua estrutura é mais voltada ao enigma em que o protagonista se insere. Colin Farrell também está no elenco, contudo sua personagem acaba sendo meramente instrumental.
Além do fantástico universo diegético, outra base do longa são os questionamentos filosóficos que promove, mesmo que indiretamente. Os diálogos são escassos e curtos, mas suficientes para sugerir diversas reflexões, com ênfase no determinismo. De fato, que livre-arbítrio haveria se as pessoas estão predeterminadas a agir de certa forma? Seria possível condenar alguém por algo que supostamente iria fazer (mas que, na prática, não fez)? Em que medida tudo isso não poderia recair em religião (os policiais chamam o local de trabalho de templo, agem autoritariamente como sacerdotes etc.)? É provocativo que o texto seja pensado em um futuro autoritário (reconhecimento biométrico em todos os lugares, aranhas robôs, carros controlados externamente) no qual uma pseudorreligião (basta ver como uma pessoa se comporta ao conhecer um precog) se traveste de ciência exata (a confiança no sistema supostamente infalível). E tudo isso ironicamente em razão da ineficácia estatal ao frear a criminalidade acentuada.
Há um conteúdo muito inteligente em “Minority report”, quiçá genial. Seus deslizes (a idosa beijando John, a estranha assistente do médico etc.) retiram um pouco da qualidade final, entretanto é possível enfocar no que realmente importa, que é o futuro. Como em boa parte das ficções científicas, um futuro não muito animador para a humanidade.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.