“MINHA OBRA-PRIMA” – Palavras vãs
Em visão micro, MINHA OBRA-PRIMA tem momentos muito bons; em visão macro, porém, padece de problemas injustificáveis. Entre erros e acertos, o longa rende um entretenimento eficaz, mas não consegue ser memorável.
O filme é centrado em dois amigos, Arturo e Renzo: o primeiro é dono de uma galeria de arte e negociante de obras artísticas; o segundo, um pintor antissocial e misantropo. Enquanto Arturo se esforça para ajudar Renzo a lucrar com suas pinturas – e ganhar uma porcentagem, é claro -, o amigo não faz o mínimo esforço para ajudar, pelo contrário, dificultando tudo a todo momento.
Uma das maiores virtudes da película, como não poderia deixar de ser, reside na dupla principal. Guillermo Francella tem talento enorme para a comédia, emprestando a Arturo seu carisma incomparável e diminuindo o tom em razão da maior seriedade da personagem. O papel vive um conflito interno coerente: quer ajudar Renzo, mas sente raiva pela sabotagem que este provoca. A despeito de o vínculo entre eles ser de amizade, não raras vezes, Arturo assume uma posição paternalista em relação ao pintor, seja ao tentar norteá-lo, seja na admiração que claramente nutre pelo artista (o olhar pelo qual o observa trabalhando é de uma riqueza encantadora). Renzo pode ser criticado, mas somente pelo próprio Arturo, que é capaz de defendê-lo de quem quer que seja.
Renzo é uma personagem caricata na medida permitida no âmbito da comédia, de modo que Luis Brandoni é cirúrgico no trabalho. A ferocidade do primeiro ato e de parte do segundo é substituída por uma vulnerabilidade tocante no segundo, o que o ator conduz com maestria. A rigor, o ator vai tão bem que supera o próprio texto, como na cena em que é visto através de uma mensagem gravada pelo celular. Renzo é o núcleo da trama, mas não pela guinada sofrida pela personagem.
A personalidade do pintor rende piadas verdadeiramente engraçadas. A comédia, desse ponto de vista, é bem funcional, como na cena na casa de Laura, que extrai risos do público mesmo sem ser exatamente original. Renzo se esforça para ser insuportável, repelindo qualquer pessoa que dele se aproxima: a namorada que tem idade para ser sua filha e que representa para ele apenas um objeto sexual; o pupilo que o admira e que almeja ser aceito como aluno; e, claro, o amigo que insiste em ajudá-lo – sem deixar de lado a secretária deste, com quem o artista flerta e diz obscenidades.
A ambiguidade presente em Arturo reside no afeto nutrido por Renzo: ama seu amigo, mas também o odeia. A construção rica das personagens igualmente ocorre com Renzo: é capaz de assustar gratuitamente crianças na rua tanto quanto de dar um importante conselho a Alex – personagem que, na prática, constitui uma arma de Chekhov -, o que muda a vida deste. Nesse e em outros momentos, o filme aborda o perfil do artista em uma visão estereotipada com fins satíricos: precisa ser alguém rabugento, desiludido com a humanidade, excêntrico, ególatra e muito arrogante. O pintor reduz essas características como “ambicioso e egoísta”, ignorando que ele mesmo é muito mais, porém percebendo que Alex está longe desse contorno.
A despeito dessas qualidades, o roteiro de Andrés Duprat tem problemas estruturais. O primeiro deles é que faz um plot tematicamente nebuloso, faltando-lhe foco e ocultando a ideia governante (se é que ela existe). O título é sagaz, assim como o julgamento moral proposto – o que não se confunde com moralismo, que não é mirado pelo texto -, porém decorrência de um plot twist deveras previsível (sobretudo em razão de um marketing equivocado ao sugerir a reviravolta). Além disso, o script passa por temas espinhosos com uma superficialidade incômoda, se mostrando bastante raso.
A direção ficou a cargo de Gastón Duprat, que acerta apenas no básico. Quando o cineasta expõe planos de contemplação ao espectador, apesar da beleza inegável do que é exposto, eles são narrativamente dispensáveis. Por exemplo, as obras de Renzo são belas, mas os planos-detalhe que as exibem, acompanhados de músicas instrumentais intensas, acabam sendo despropositados (isto é, a beleza não se justifica exceto por si mesma, ideia defendida no prólogo, mas que não chega a ser sustentada pelo filme). Por outro lado, os cenários são bem aproveitados pela fotografia – tanto nos ambientes fechados, como a poluída casa de Renzo (representando sua excentricidade e sua falta de civilidade), como ao ar livre (mais ao final).
Enquanto comédia, “Mi obra maestra” (no original) atinge o objetivo mínimo de fazer o espectador rir. Entretanto, a falta de conteúdo mais profundo é decepcionante em razão da oportunidade perdida. Amizade, admiração, ética, família e morte, dentre outras, acabam sendo palavras vãs em um filme que poderia fazer mais que a maioria.
Em tempo (possíveis spoilers a seguir): Arturo pode defender que não mentiu, mas mentiu sim e traiu o espectador em sua narração voice over. Teria sido mais honesto admitir a mentira que tentar defendê-la. Algo como “é verdade, eu menti, mas isso é algo que eu sei fazer bem” teria sido bem mais coerente.
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.