“MEU AMIGO ROBÔ” – Uma ode aos que nos concertam
Não é de hoje que a tecnologia encontra as suas formas de nos deixar menos sozinhos. Capaz de nos distrair de múltiplas maneiras, suas invenções podem facilitar o acesso a filmes e seriados, por exemplo, ou até mesmo emular uma interação com outra figura. Ainda que permita se maravilhar diante dessa última possibilidade, MEU AMIGO ROBÔ utiliza essas conexões para discutir sobre as verdadeiras, trazendo um leve e bem humorado debate sobre suas complexidades e a respeito da auto compreensão.
Cansado de se sentir tão solitário, um pequeno Cão se depara com um anúncio divulgando a venda de um Robô. Sem pensar duas vezes, ele adquire o produto e logo recebe o seu novo melhor amigo em sua casa. Juntos, eles se tornam uma grande dupla, e o cãozinho passa a carregar o desafio de ensinar uma máquina a se viver em sociedade.
Destituído de qualquer diálogo – ainda que Ivan Labanda e Tito Trifol sejam responsáveis por alguns sons e interjeições de Cão e Robô – chama a atenção como o filme se basta inteiramente de sua linguagem visual. Abraçando completamente o universo lúdico em que se ambienta, são nos gestos e nas expressões faciais que a obra encontra todos os recursos necessários para amadurecer o laço entre os protagonistas. Sorrisos, abraços e apertos de mão comunicam as emoções por detrás de uma animação de estilo mais clínico, ainda que nem por isso menos bem feito.
Isso se deve à direção do espanhol Pablo Berger apostar em uma espécie de retorno aos grafismos de mistura entre o 2D e o 3D, mas sem introduzir um estilo especialmente novo. Para uma narrativa a respeito da interação entre homem e máquina, todavia, essa assinatura adquire um ótimo propósito. Ao assinalar feitos mais absurdos no campo das ações exercidas pelas personagens – e mesmo em um sentido mais visual, com direito aos frames indefinidos em gestos mais agitados, traços deixados no ar em determinados movimentos -, o longa brinca com esse “desarmamento” do universo comum para permitir que a dupla central acabe saltando aos olhos.
Outra maneira interessante de se conduzir esse destaque converge para a forma como o filme se apropria da trilha sonora. Misturando faixas originais com uma seleção de canções de prestígio – entre as quais tem especial uso “September“, da banda “Earth, Wind & Fire” -, a produção emula o estado emocional dos dois pela aplicação das músicas, indo além do acabamento óbvio que muitos utilizam para cativar o público.
Ainda que nem todas as sequências assumam de fato o gênero musical – caso de um dos sonhos tidos pelo robô, em que ele se transporta para uma sequência do clássico “O mágico de Oz“, por exemplo -, o filme manipula bem a banda sonora para aprimorar a construção desse universo que perdura entre a aparência pragmática e a força das conexões que o atravessam.
Não suficiente, é justamente nesse reconhecimento das suas capacidades mais oníricas, e especialmente como isso se justapõe à continuidade lógica da narrativa, que o filme encontra seu maior charme. Após um dia na praia não terminar como o esperado, e os melhores amigos perceberem que precisarão se manter separados por algum tempo, a animação se permite brincar com o seu DNA fantasioso.
Tem-se assim uma estrutura quase de esquetes, mas que em instância alguma reduz a pureza do projeto. Isolados, eles investem em maneiras de se manter unidos, apostando em interações, sonhos – e daí surge o título internacional do filme, “Robot dreams” – e buscas que façam jus ao espírito daquela amizade. É como se a obra se desvencilhasse de qualquer pressão ou necessidade de progressão estrutural, autorizada a explorar as personagens e as suas possibilidades.
Seja em uma divertida sequência de ski nas montanhas, em um preocupante pesadelo no gelo ou até em um adorável passeio romântico, o longa se liberta de qualquer vício do qual poderia querer se livrar. Atesta assim seu compromisso com a espontaneidade daquelas figuras e situações, e reforça um coração pulsante em meio a uma indústria de ideias vazias e mecanizadas.
Em um mundo moderno marcado por uma série de ruídos – sejam os gerados pela dissonância entre gostos, idades, mídias, o que seja -, é interessante como “Meu amigo robô” não recorre às palavras para erguer as suas conexões. Por meio de encontros e desencontros, o filme tece uma leveza bastante própria para tratar de relações humanas, pulsantes dentro de um universo aparentemente clínico. É na maneira como as personagens transformam umas as outras – emprestando traços, herdados de diferentes conexões, entre si – que tudo se revela cada vez mais vivo e encantador, demonstrando como certos laços deverão perdurar para muito além da imagem.