“MAXXXINE” – Ela é uma estrela?
Em “X: A marca da morte“, o tropo narrativo da final girl e o sexo como elemento punitivo são redimensionados. Em “Pearl“, a jornada rumo ao estrelato é deturpada pela obsessão da fama e pelo conservadorismo repressor. Em MAXXXINE, um novo capítulo é lançado despertando curiosidades daqueles que apreciam os filmes anteriores sobre os rumos da trilogia e dúvidas entre aqueles que não gostam dos filmes anteriores. Maxine Minx conseguirá se tornar a estrela cinematográfica que tanto almeja? A obra se tornará um sucesso a ser lembrado e debatido?
Maxine Minx foi a única sobrevivente das filmagens de um filme pornô que terminou em derramamento de sangue. Anos depois, ela está em Los Angeles e continua na saga em busca de reconhecimento e estrelato. Em 1985, a protagonista parece ter uma grande oportunidade quando é selecionada para um papel em uma continuação de produção de terror. Ao mesmo tempo que suas esperanças crescem, um serial killer chamado Perseguidor Sombrio atormenta as ruas da cidade e faz uma série de vítimas. No encalço de Maxine, o assassino pode ameaçar sua vida e trazer à tona pesadelos do passado.
Ambientada na década de 1980, a narrativa tenta criar a atmosfera de época a partir do contraste entre o glamour excessivo e machista de Hollywood que objetifica as atrizes e o puritanismo de grupos religiosos que associa violência dos filmes, satanismo e pornografia. A tentativa, no entanto, fica resumida somente a poucos planos isolados e às reflexões próprias do espectador sem a contrapartida do filme, que proporciona poucas migalhas sobre o tema. Por vezes, pode-se ver no canto do quadro manifestantes em protesto contra as mazelas morais que Hollywood provocaria na sociedade, faltando integração maior com o resto da cena. Já a ostentação imponente da indústria cinematográfica se limita a poucos flashes da calçada da fama e do seu letreiro no alto das montanhas da cidade, assim como a objetificação das mulheres é trabalhada da forma mais protocolar possível sem contribuições interessantes para a questão. Além disso, pode-se falar também do próprio puritanismo da narrativa para lidar visualmente com a força da personagem principal, o terror e a sensualidade.
Os dois últimos elementos são, portanto, utilizados como meros recursos de choque em momentos pontuais e não compõem a encenação como um todo. A resolução da sequência em que Maxine é ameaçada por um homem em um beco ou confronta o vilão no terceiro ato recorre simplesmente ao gore como um efeito gráfico passageiro, que demonstra receios de se entregar às convenções do gênero. Algo semelhante ocorre com as cenas mais sensuais ou de nudez, que buscam apenas surpreender por sua rápida aparição ou se reprimem tanto a ponto de simbolizar a falta de prazer na composição artística de cada imagem. Por sinal, as críticas ao estilo dos filmes de horror produzidos pela A24 cabem muito aqui porque o gênero não é assumido integralmente e se subordina a uma suposta superioridade do drama. Em certos diálogos, Maxine ouve que jamais seria reconhecida se atuasse em produções de terror e a diretora do projeto para o qual foi contratada espera fazer um trabalho mais profundo. Seriam essas indicações subliminares de como o diretor Ti West compreende o próprio cinema que faz?
Se a resposta for positiva, outros aspectos podem sustentar essa leitura. O cineasta enumera algumas citações à história do cinema de horror, passando pelo slasher, giallo, body horror e por Alfred Hitchcock. Entretanto, Ti West não consegue fazer mais do que criar uma salada de referências que não dialoga entre si nem explora ao máximo suas possibilidades criativas, seja como emulação de suas convenções, seja como ressignificação de suas características. No caso do giallo, há a presença de um assassino cruel, que tem sua identidade ocultada até a revelação final e é associado às luvas que utiliza para os crimes. A existência de cada elemento não é suficiente para gerar uma experiência expressiva, já que o Perseguidor Sombrio não se configura como uma ameaça realmente sentida e a descoberta de sua identidade não é um mistério convidativo. E no caso de Hitchcock, as alusões a “Psicose” são extremamente vazias e preguiçosas, como se bastasse mostrar o Bates Motel e a casa no alto da colina para justificar suas aparições sem que estas fossem trabalhadas estilisticamente em mais de uma cena.
Quando se pensa em presenças que têm pouco a dizer, o desenvolvimento da trama sofre do mesmo problema. Dentro da ambientação histórica proposta, o roteiro combina os ataques do assassino em série, a investigação policial de uma dupla de investigadores e o ressurgimento de recordações da protagonista sobre as mortes presenciadas por ela anos antes. Esses eventos levam à entrada dos personagens de Kevin Bacon, como um detetive a serviço do Perseguidor Sombrio, e de Michelle Monaghan e Bobby Cannavale, como os dois policiais. O primeiro deveria cumprir a função de ser um alívio cômico pelo ridículo ou uma representação da misoginia a ser combatida, caso não se tornasse uma figura deslocada naquele universo que retarda o desenrolar da história. Já os dois últimos oscilam problematicamente entre uma espécie de humor fora de hora e lembrança dos perigos do criminoso procurado. Existe ainda a sensação de que os flashes da violência vivida anteriormente por Maxine podem evocar uma densidade psicológica que a obrigaria a enfrentar traumas complexos, porém não chegam a lugar algum e desaparecem da mesma forma inesperada como surgem.
Os três personagens mencionados criaram também outra impressão que jamais se evidenciou na narrativa. Eles carregam um tom de artificialidade e de farsa que vem do estilo caricato do trabalho de atuação, como se fossem atores interpretando personagens que são atores em um filme dentro de um filme. O policial vivido por Bobby Cannavale chega a comentar em mais de uma ocasião que gostaria de ter se tornado ator e o detetive de Kevin Bacon gera sequências tão distantes do tom geral do filme (como a perseguição iniciada em estúdios de Hollywood) que parece ser uma ficção fora da diegese até então acompanhada. A princípio, Ti West poderia estar dialogando com mais uma tendência do cinema da década de 1980, o maneirismo, sobretudo de trabalhos de Brian de Palma como “Dublê de corpo” e “Vestida para matar“. Porém, o diálogo não se sustenta e a sensação se dissipa rapidamente. Ti West não é Brian de Palma, o senso de metalinguagem é um efeito acidental temporário, a composição das imagens carece de maior habilidade artesanal e a “breguice” da encenação carece de um charme encantador.
Maxine Minx conseguiu se tornar a estrela cinematográfica que tanto almejava? O desenrolar da trama quase leva o espectador a esquecer que a premissa era a busca pelo estrelato. Isso porque o clímax é uma bagunça descontrolada que tenta equilibrar os efeitos do puritanismo religioso, a resolução do mistério da identidade do assassino, a irrupção assombrosa do passado da protagonista, a linha tênue entre realidade e ficção e empoderamento feminino. Ti West se deslumbra com o próprio universo criado, afirmando que sua personagem principal seria sim uma estrela da maneira mais óbvia possível com a movimentação da câmera para o letreiro de Hollywood e para o céu noturno sem justificar a força que ela teria e aproveitar as capacidades de Mia Goth. Ti West se deslumbra com o próprio trabalho e acredita que as referências reunidas e os dois filmes anteriores seriam o bastante. Mesmo que “Maxxxine“, eventualmente, consiga formar seus fãs, a estrela tão desejada pela atriz não é a mesma apresentada nesse texto.
Um resultado de todos os filmes que já viu.