“MÁSCARA DE FERRO” – Uma questão estilística, não geográfica [47 MICSP]
Nos últimos anos, a Coreia do Sul vem presenteando o mundo da cinefilia com obras aclamadas com justiça. Para citar alguns exemplos, estão entre os principais cineastas sul-coreanos Bong Joon Ho (de “Expresso do amanhã”, “Okja” e “Parasita”), Park Chan-wook (de “Oldboy”, “Lady Vingança”, “A criada” e “Decisão de partir”) e Hong Sang-soo (de “A câmera de Claire”). Nenhum dos filmes mencionados se compara a MÁSCARA DE FERRO, também sul-coreano. Mas isso não é um elogio.
Kim Jae-woo consegue entrar em uma rígida academia responsável por selecionar os representantes da equipe nacional de kendo. No local, ele encontra Hwang Tae-su, responsável pela morte de seu irmão mais velho. Quanto mais tenta vencê-lo nos treinos, menos Jae-woo consegue. A situação o irrita, irritação que é incrementada em razão da tranquilidade demonstrada pelo rival.
“Máscara de ferro” apresenta desperdícios, clichês, obviedades e falhas gerais. O diretor e roteirista Kim Sung Hwan preenche a narrativa – uma história de vingança que, previsivelmente, se transforma em uma história de pacificação consigo mesmo – com informações desnecessárias que se tornam um desperdício do tempo do espectador. Considerando que a trama é centrada em Jae-woo, qual a relevância de ser essa a primeira vez em trinta anos que a Coreia do Sul recebe o campeonato mundial de kendo? Da mesma forma, personagens são desperdiçadas. É o caso do Mestre Ahn (Jeon Jin-ki) e da analista de vídeos Woo Su-ah (Lee Ju-Yeon). Esta serve apenas para dar um conselho prático ao protagonista, tendo, contudo, potencial para ajudá-lo de maneira mais concreta, dado o primeiro diálogo entre eles. Quanto àquele, suas três primeiras participações, seguidas e no começo (fitando Jae-woo, aconselhando o grupo a “lutar com as mentes” e falando para o protagonista “pensar apenas no kendo”), sugerem que ele será importante, todavia ele é limitado a uma quarta, ao final.
A previsão natural é que o Mestre assumirá o arquétipo de sábio. Sem nenhum sentido, Hwan atribui a função a outra personagem (cuja personalidade é consideravelmente vazia), com quem Jae-woo ocasionalmente conversa, sem, contudo, estabelecer um laço de mentoria. Cabe ao sábio representar os clichês: “Hwang é Hwang, Kim é Kim” e “você sabe quem é o seu real oponente, certo?”. Sem surpresa alguma, a vingança derrete em favor da pacificação. A trajetória do protagonista é clichê, assim como os confrontos. Do ponto de vista formal, a montagem não poderia ser mais obsoleta: sobram fades antiquados para pontuar o avanço narrativo e sequências elípticas para resumir repetições, falta criatividade. O uso de fusão nos minutos finais é o ápice do clichê.
Ainda na ótica da forma, existem obviedades que decepcionam por se tratar de um cinema profícuo como é o sul-coreano. Para aproximar o espectador do protagonista, imagem e som são especialmente estimulados: ruídos de suspiro e mãos apertando a espada se mesclam com planos-detalhe da própria espada, dos olhos concentrados, da luva e do nariz suado. Mais grave que isso ser óbvio, é repetido algumas vezes. Graficamente, o uso das cores não é equivocado, apenas – mais uma vez – óbvio. No figurino, Tae-su usa kimonos brancos para demonstrar que está em paz com o que aconteceu no pretérito (e o branco se expande na fotografia, no desfecho, de uma maneira bastante piegas), enquanto Jae-woo veste o preto que representa seu luto. O lenço vermelho de Tae-su simboliza o sangue derramado, o azul de Jae-woo é a justiça.
Prosseguindo no que há de negativo no longa, as falhas gerais são três, em ordem de gravidade. A primeira é a mixagem de som, que é ocasionalmente confusa (principalmente na primeira luta dos dois): os gritos dos golpes se mesclam à música extradiegética de modo que ambos têm impacto reduzido. A segunda está no roteiro, que é inverossímil em seu backstory: evitando spoilers, basta dizer que a conduta do pai de Jae-woo, de acordo com o que é revelado, simplesmente não faz sentido algum. A terceira é mais grave porque sentencia o filme a um nível aquém do que talvez pudesse alcançar de maneira distinta: o protagonista é ruim. Jae-woo é ruim porque seu intérprete, Joo Jong-hyuk, é limitadíssimo (suas expressões se reduzem a estoicismo e raiva), o que é agravado com um antagonista (Moon Jin-Seung) de melhor desempenho. Isso seria solucionado com outro ator, mas o perfil de Jae-woo, de um jovem de adolescência tardia explodindo de raiva, é simplesmente tedioso.
Apesar de todos esses defeitos, “Máscara de ferro” não é ruim. Trata-se apenas de um filme medíocre e deslocado, uma vez que é exportado como produção sul-coreana quando, na verdade, é uma produção da Coreia do Sul. Sua origem é aquele país, suas características, porém, são de uma Hollywood preguiçosa e acomodada. Há diversos longas em streaming, e mesmo alguns nos cinemas brasileiros, com as mesmas características do filme de Kim Sung Hwan. É um estilo que nada tem a ver com o de Bong Joon Ho, Park Chan-wook e Hong Sang-soo, mas que com eles compartilha, exclusivamente, o país de origem.
* Filme assistido durante a cobertura da 47ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).
Desde criança, era fascinado pela sétima arte e sonhava em ser escritor. Demorou, mas descobriu a possibilidade de unir o fascínio ao sonho.