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“MARCELLO MIO” – E o peso das expectativas

Como lidamos com a pressão de sermos quem esperam que sejamos? MARCELLO MIO mergulha nessa questão ao abordar a interseção entre identidade e legado, transitando entre o humor e a nostalgia. Apesar de uma proposta intrigante, o filme oscila ao explorar temas tão profundos, resultando em uma experiência irregular que alterna entre momentos brilhantes e outros mais cansativos. Essa escolha narrativa, por mais inusitada que pareça, reflete uma dinâmica universal: o confronto entre quem somos e quem esperam que sejamos, um embate tão antigo quanto a própria ideia de família e tradição.

A trama segue uma mulher que, sufocada pelas expectativas que a cercam, decide transformar-se em uma versão de seu próprio pai, adotando sua identidade, vestimentas e até mesmo sua profissão. O que parece, inicialmente, uma atitude excêntrica e incompreensível para familiares e amigos, transforma-se em uma jornada de autoconhecimento, em que a busca por autenticidade e pertencimento desafia convenções sociais e emocionais.

(© Imovision / Divulgação)

Dirigido por Christophe Honoré, o filme se beneficia da atuação de Chiara Mastroianni, que interpreta uma versão fictícia de si mesma em um papel que dialoga diretamente com sua história pessoal. Filha de Marcello Mastroianni e Catherine Deneuve, ela personifica de maneira singular a luta para se libertar do peso de uma herança familiar imponente, enquanto explora as nuances de sua própria identidade. O diretor utiliza a similaridade física e a carga emocional dessa herança para criar uma metáfora poderosa sobre as expectativas que moldam quem somos. É um caso raro em que a escolha do elenco transcende a função dramática, transformando-se em parte essencial da mensagem do filme.

Logo no início, o filme oferece pistas sobre o estado emocional da protagonista em uma cena marcante: ela, completamente desconcertada, encontra-se parada em um chafariz durante um ensaio para um comercial. Tudo na cena é caótico — desde a diretora da filmagem até a maneira como as gravações são conduzidas —, refletindo a sensação de deslocamento e desorientação da personagem.

A narrativa é enriquecida por diálogos bem construídos, que misturam humor sutil, idiomas variados e situações inesperadas. Essas partes não apenas revelam as camadas emocionais dos personagens, mas também criam momentos de conexão com o público, ao refletirem ansiedades e dilemas contemporâneos. Elementos musicais também desempenham um papel relevante, com canções pontuando cenas ou complementando diálogos de maneira orgânica. A trilha, ao mesmo tempo nostálgica e envolvente, não apenas dá ritmo à narrativa, mas também sublinha os momentos de maior introspecção, transportando o espectador para um universo em que passado e presente se entrelaçam.

Visualmente, o filme apresenta uma direção de arte que complementa bem as temáticas exploradas. Os ambientes carregam uma certa atemporalidade, oscilando entre o clássico e o moderno, e reforçam a sensação de que a protagonista está em um limbo entre o que deseja ser e o que sente que precisa representar.

Por outro lado, o roteiro, também assinado pelo diretor, falha em manter o equilíbrio entre profundidade e dinamismo. As reflexões sobre identidade e aparência, embora instigantes, tornam-se repetitivas em certos momentos, comprometendo o ritmo do filme. A tentativa de combinar o legado familiar com a busca por afirmação profissional, apesar de válida, às vezes soa exaustiva devido à falta de variação narrativa e a cenas que se prolongam desnecessariamente.

Apesar dessas falhas, “Marcello mio” tem um charme próprio. É uma obra que, com melancolia e leveza, examina o peso das heranças — sejam familiares ou sociais — e o impacto que elas têm em nossas escolhas. Ao explorar as tensões entre passado e presente, o filme convida o público a refletir sobre as marcas que carregamos e sobre como moldamos nossas jornadas a partir delas. Mais do que uma história sobre identidade, é um lembrete de que encontrar a própria voz em meio às expectativas alheias é um ato de coragem. Mesmo imperfeito, o longa provoca uma conexão sincera com aqueles que já sentiram o peso de carregar um nome, histórias ou sonhos que, por vezes, pareciam não ser totalmente seus.