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“MANAS” – A LUTA SILENCIOSA [48 MICSP]

MANAS é um filme que se destaca por sua abordagem crua e realista de uma questão social que, muitas vezes, permanece invisível. A obra conduz o público a uma reflexão sobre os ciclos de opressão e violência enfrentados por mulheres em comunidades ribeirinhas, além de retratar com sensibilidade o impacto devastador do abuso infantil. Ao longo da narrativa, fica evidente que a força do filme reside na sua habilidade de tratar o tema de forma respeitosa, sem cair em sensacionalismo ou superficialidade.

A trama segue uma adolescente de 13 anos que vive em uma comunidade ribeirinha isolada na Ilha do Marajó. Sua realidade é marcada por violência e limitações, tanto em termos de oportunidades quanto de liberdade. Observando a vida das mulheres ao seu redor, incluindo sua própria família, então ela decide que não deseja o mesmo destino. Determinada a fugir da engrenagem que aprisiona as mulheres da comunidade, ela inicia uma jornada para confrontar o ciclo de abuso que rege suas vidas. A narrativa constrói, de maneira gradual, a tensão entre a submissão silenciosa e a revolta inevitável, enquanto ela luta por uma chance de escapar dessa realidade.

(© Paris Filmes / Divulgação)

Dirigido por Marianna Brennand, “Manas” utiliza uma abordagem visual que valoriza o território amazônico sem transformá-lo em uma mera paisagem de fundo. A escolha pela fotografia naturalista não só dá vida ao ambiente em que a história se passa, mas também reforça o contraste entre a beleza da natureza e a brutalidade do cotidiano das personagens. Esse equilíbrio entre o belo e o cruel é um dos pontos altos da produção, que consegue transmitir uma forte carga emocional através das imagens. A diretora mostra um entendimento profundo da realidade amazônica, evitando caricaturas ou romantização do território ribeirinho.

O filme também acerta em cheio nas atuações. Jamilli Correa, no papel de Marcielle, carrega o peso da trama com uma performance contida, mas cheia de nuances. Sua interpretação comunica a complexidade da personagem, que precisa equilibrar o medo e a determinação de escapar do destino que parece inevitável. Ao lado dela, Rômulo Braga, Fátima Macedo e Dira Paes compõem um elenco que oferece um suporte sólido à narrativa, com atuações igualmente marcantes. Não há exageros ou dramatizações forçadas; todos os personagens parecem profundamente ancorados na realidade dura em que vivem.

O roteiro, desenvolvido por Camila Agustini, Carolina Benevides e a própria diretora Marianna Brennand, também é um ponto forte. Ele consegue ser direto e envolvente, ao mesmo tempo em que respeita a gravidade do tema. Não há pressa em resolver os conflitos ou entregar uma conclusão fácil para o público. Em vez disso, a narrativa se constrói de forma orgânica, permitindo que o espectador se envolva com os dilemas de Marcielle e das outras mulheres da comunidade. As cenas de abuso, embora dolorosas, são tratadas com sensibilidade, mantendo o foco no impacto emocional das vítimas e na difícil jornada de resistência.

Com uma direção precisa, atuações poderosas e uma abordagem visual que respeita o território e as pessoas que nele vivem, “Manas” é um filme que merece destaque. Ele aborda com delicadeza e profundidade a realidade brutal da violência estrutural enfrentada por mulheres em comunidades ribeirinhas, sem nunca perder de vista a força e a resiliência feminina. A narrativa é uma crítica social que, além de denunciar, celebra a coragem de quem decide romper com ciclos de opressão. O filme é um retrato honesto de que, para muitas, o verdadeiro ato de heroísmo não está em grandes feitos, mas na capacidade de resistir e lutar por uma vida melhor, mesmo em contextos onde as opções parecem inexistir.

Filme assistido durante a cobertura da 48ª edição da Mostra Internacional de Cinema em São Paulo (São Paulo Int’l Film Festival).