“LUZ VERDE PERMANENTE” – Relações vazias
* Filme assistido na plataforma da FILMICCA (clique aqui para acessar a página)
Comparações entre LUZ VERDE PERMANENTE e “As virgens suicidas” podem ser tentadoras. Isso porque as duas produções têm em comum o suicídio entre um grupo de adolescentes desiludidos com o presente e desesperançosos com o futuro. No trabalho da diretora de Sofia Coppola, jovens mulheres são objetificadas por rígidos padrões sociais e isoladas pela falta de comunicação com os pais. Já no trabalho dos cineastas Dennis Cooper e Zac Farley, as construções formais e as intenções dramáticas podem ser semelhantes, mas os efeitos finais o distanciam do drama estadunidense dos anos 1990.
O jovem em questão que se vê intrigado com uma eventual morte precoce é Roman. Ao contrário de outros garotos da mesma idade, ele não demonstra tanto interesse por relacionamentos, esporte ou drogas. Em termos comportamentais, não se mostra niilista ou depressivo, apenas obcecado com a ideia de desaparecer se explodindo em público. À medida que este objetivo se torna mais palpável, a decisão de cometer suicídio afeta os amigos ao seu redor.
Dennis Cooper e Zac Farley não propõem uma relação emocional com os personagens. Eles não estão interessados em levar os espectadores a se envolverem e a se identificarem com o protagonista e seus colegas, pois, a todo momento, a decupagem cria sensações de distanciamento e frieza. Os diálogos são filmados sem a preocupação de situar o público dentro daquele universo e apresentar o background dos personagens, o desenho sonoro busca apenas ruídos diegéticos contidos sem a presença de uma trilha sonora e as sequências são pensadas a partir de longos planos silenciosos e de ações ou emoções retraídas. A escolha de evitar o envolvimento emocional não é, essencialmente, um problema, já que intensifica a apatia daquelas figuras em um cotidiano monótono carente de ambições, sonhos e projetos, em suma, tão perdidas que não encontram referências em seus sentimentos, em visões de mundo ou em vínculos com outras pessoas.
Inicialmente, este vazio existencial é evocado de modo significativo pela caracterização dos cenários. Nas primeiras sequências, os espaços apresentam um caráter abstrato que nem sequer parecem ser ocupados concretamente por indivíduos reais. A frente da casa de Tim tem um minimalismo exagerado evidenciado pelas pequenas paredes que compõe a construção e pela combinação estéril entre tintas branca e cinza; o interior da residência de Roman é sempre mostrado com planos fechados que se concentram nos personagens e em poucos objetos do local, deixando de localizar o aposento como um todo; e as ruínas de um prédio caído parecem fazer parte de um território devastado por guerras ou até mesmo serem a representação do colapso interior dos jovens. Como esses cenários não parecem verossímeis e materiais, os personagens podem se sentir desenraizados sem ter qualquer apego sentimental ao locais onde vivem e aos ambientes por onde passam.
Quando a narrativa coloca os personagens no centro dramático, a própria sensação de vazio existencial fica dispersa entre várias possibilidades encenadas sem uma unidade coerente e completa a seguir. Em primeiro lugar, o roteiro parece dar mais importância ao estranho fascínio exercido pela morte e pela destruição junto aos adolescentes: Roman pergunta a Ollie a diferença entre o fim e a morte, fica obcecado por um programa de computador capaz de exibir os sons de uma explosão no espaço e demonstra curiosidade pelo desaparecimento misterioso de um homem, além de uma adolescente colecionar coletes explosivos. Este estranho interesse começa e permanece ao longo de todo o filme como uma excentricidade apelativa, pois são momentos que surgem isolados sem qualquer premissa dramática que poderiam ser relacionados aos conflitos geracionais na família, às insatisfações diante de tradicionalismos socioculturais ou às frustrações pessoais diante de um mundo caótico.
Algum tempo depois, a narrativa coloca Roman como centro das atenções ao insinuar que a produção pode se tornar um estudo de personagem. Por mais que o ator Benjamin Sulpice tente dar ao personagem um caráter enigmático e reprima suas emoções, a atuação sofre com a dificuldade de assumir uma composição excêntrica para um jovem que tem prioridades incomuns e a falta de perspectivas para seu futuro ou desenvolver gradualmente uma postura suicida sem razões evidentes. Então, o filme não se decide sobre a maneira como irá lidar com o protagonista, por vezes sugerindo que sua condição é fruto de um sentimento de desencaixe em relação ao mundo, por vezes dando a entender que seria resultado de um acidente no passado com consequências fisiológicas. Em quaisquer das duas situações, a obra não se entrega às possibilidades emocionais ou físicas nem sustenta uma atmosfera de mistério em torno da explicação. Na realidade, a versão mais simplista e anticlimática tende a ser a escolhida em um clímax tão contido que as lacunas não parecem escolha criativa, mas indecisão criativa.
Em outra leitura, seria possível supor a diegese estaria mais preocupada com os impactos do risco de suicídio de Roman para seus amigos e familiares. Algum deles poderia estar no centro do inconformismo e do desencanto do protagonista? Como eles reagiriam com a morte precoce do colega? Seria impossível impedir atitude tão extrema? Tais questionamentos são enfraquecidos por núcleos e personagens que não se efetivam realmente, já que a narrativa não vai a fundo para tratar as relações interpessoais em torno de Roman como se tivesse receios de mergulhar naquele universo. O momento em que a mãe apenas observa sem reações a saída de casa de seu filho quer dizer que existem problemas familiares? Os embates com a irmã são provocados por quais desentendimentos ou diferenças? O amigo gay que nutre um amor platônico conseguiria lidar com o desejo não correspondido e com uma eventual perda? As perguntas podem até ser sugeridas pela narrativa, porém são pouco enfrentadas pela dramaturgia.
“Luz verde permanente” apresenta alguns aspectos formais interessantes para além da criação de um distanciamento emocional. A construção do quadro estático com poucos movimentos de câmera, o posicionamento descentralizado da câmera e o enquadramento dos personagens fora da lógica do plano e contra-plano permite aos diretores dar um sensação de desconforto às imagens. Entretanto, os méritos estilísticos do filme são interrompidos pela progressão de uma narrativa que, aos poucos, esconde o que havia sido feito anteriormente. Além disso, a dramaturgia em torno da caracterização do protagonista, da interação dos jovens com a morte e dos desdobramentos de um suicídio segue um rumo tão burocrático que o espectador pode imaginar tudo o que aconteceria. A previsibilidade é tanta que o clímax chega e os impactos dramáticos são mornos e frustrantes, algo que vem de um vazio que não está presente apenas nas relações entre os personagens, mas na própria concepção do filme.
Um resultado de todos os filmes que já viu.