“LOUCOS POR CINEMA!” – Os espectadores são os protagonistas [26 F.RIO]
Muitos fatores interferem na experiência cinematográfica, como o papel dos espectadores na construção de um lugar no mundo para os filmes. Diversos são os públicos e um recorte possível é o cinéfilo com sua paixão pela memória e história do cinema, o que está na alma de LOUCOS POR CINEMA. Aproveitando-se de sua própria cinefilia, Arnaud Desplechin examina sua relação com a sétima arte e outras questões gerais de ver a realidade exibida e projetada na tela grande. Como dar conta de material tão extenso? Decididamente, não é deixando as partes do filme serem irregulares e instáveis.
Em uma mistura de documentário e ficção, a obra segue os passos do jovem Paul Dédalus, o alter ego do diretor. Ele narra a história do amadurecimento como cinéfilo a partir de alguns questionamentos básicos. O que significa ir ao cinema? Como esse hábito se mantém há mais de 100 anos? Memórias, imagens ficcionais e análises sociológicas se sucedem em um fluxo constante de planos que homenageiam o ato de assistir a filmes de forma devotada.
Arnaud Desplechin constrói uma narrativa de tom ensaístico que se debruça sobre grandes temas analíticos para o cinema. Nessa parte, um dos interesses é refletir sobre as implicações de exibir e projetar uma realidade na tela grande. O cineasta discorre sobre a questão através de alguns tópicos, como a importância da fotografia para o desenvolvimento das produções cinematográficas, a revolução da captação de imagens em movimento e a teoria realista do cinema proposta por André Bazin. A discussão é complexa, envolve diferentes aspectos históricos e conceituais e é trabalhada com conversas de estudantes da área e imagens de arquivo. Porém, fica a sensação de que a temática é tão vasta que dependeria de mais tempo de reflexão.
Simultaneamente, o filme assume um caráter documental clássico para tratar de outros elementos que moldam a experiência espectatorial. Por exemplo, o diretor busca identificar as diferentes relações do público com as salas de cinema ouvindo os relatos de várias pessoas entrevistadas. Ao longo das entrevistas, temos contato com a primeira ida a uma sessão de cinema, as preferências sobre o melhor lugar dentro da sala e exemplos de ocasiões emocionantes com o derramamento de lágrimas. Além disso, a parte de documentário que se desenvolve versa sobre as possibilidades ou não de o cinema narrar eventos históricos extremos. A Shoah durante a Segunda Guerra Mundial é a catástrofe humana que passa por análises, sendo pensada como uma ruptura tão drástica que impacta nas noções de representação. Como os espectadores podem se relacionar com a abordagem de uma tragédia vivida por milhões de indivíduos sem banalização ou espetacularização?
O próprio cineasta se coloca em outro segmento da narrativa ao criar uma ficção autobiográfica na qual Paul Dédalus aparece como uma versão de Arnaud Desplechin. As experiências pessoais do realizador são a matéria prima para as sequências interpretadas por Louis Birman, Sam Chemoul e Mathieu Almaric, cada um em um momento distinto da vida. Nesse ponto, a abordagem ficcional passeia pelas primeiras lembranças no cinema na infância, pela organização de um cineclube na universidade e pelos amores de relacionamentos com as primeiras namoradas e com os filmes descobertos. Apesar de fazer uma fusão interessante das dimensões privada e pública para a arte, a ficção autobiográfica enumera alguns tópicos que não dialogam tanto com o que havia sido até então mostrado ou que não tem tempo suficiente para evidenciar a conexão estabelecida. É o caso, por exemplo, das reflexões acerca das mudanças na relação entre espectadores e obras artísticas, em especial os impactos deixados pela televisão.
Na estrutura narrativa, trechos de filmes marcantes para a formação do diretor também são inseridos. “As pequenas margaridas“, “Gritos e sussurros“, “Duro de matar” e outros títulos são citados no momento em que Arnaud Desplechin relembra sua própria experiência emocional com os filmes e o desejo de fazer parte dessa arte. De fato, a reconstrução de “Loucos por cinema!” com base na apropriação de cenas diversas sob a chave da nostalgia e da cinefilia cria passagens capaz de transmitir as emoções suscitadas em um espectador devotado por aquelas obras. Isso se dá graças à percepção de como a mobilização de técnicas da linguagem cinematográfica pode gerar respostas sensoriais. No entanto, para uma proposta que envolve paixão e relação passional com o cinema, a produção coloca um tom racional e cerebral para grande parte de sua duração.
*Filme assistido durante a cobertura da 26ª edição do Festival do Rio (26th Rio de Janeiro Int’l Film Festival).
Um resultado de todos os filmes que já viu.