“LOKI” [1X05] – O deus da trapaça
“Jornada ao mistério” é um prato cheio para diversão, criatividade e desenvolvimento de personagem em LOKI. Afinal, seria uma contradição significativa acompanhar uma narrativa que não explorasse tais elementos levando em consideração o momento da trama em que a série está. Após ter sido “podado”, Loki acorda em um limbo chamado Vazio e onde seria o fim dos tempos. Esse mundo é uma parte da existência para onde a AVT envia todas as variantes para serem destruídas por Alioth, um monstro capaz de devorar tudo. O protagonista encontra outras versões de si mesmo, como o Kid Loki, o Loki clássico, o Boastful Loki e um Loki jacaré, e se esforça para sair dali e derrubar a AVT. Enquanto isso, Sylvie continua sua jornada para descobrir quem controla as linhas temporais.
A imaginação dá o tom na sequência de abertura, responsável por situar o espectador em um novo universo. A diretora Kate Herron novamente explora as possibilidades da movimentação da câmera (como já havia feito nas sequências de ação anteriores), dessa vez para introduzir o Vazio e integrar o novo cenário às locações já conhecidas. A câmera transita com fluidez pelos espaços, começando na porta de entrada da sala dos Guardiões do Tempo, seguindo para o interior do recinto onde a mentira sobre eles foi revelada e chegando ao limbo onde Loki encara diferentes versões de si mesmo. São movimentos horizontais e verticais conjugados com o objetivo de apresentar os detalhes de um novo mundo, fazer transições elegantes e interligar coerentemente os acontecimentos da trama. Como resultado, aparece um espécie de purgatório devastado por um monstro de fumaça onipresente e preenchido por ruínas para onde quer que se olhe.
Paralelamente a isso, Sylvie inicia o capítulo exigindo que Renslayer esclareça quem criou a AVT para que possa se vingar. Ao invés de ajudar, a funcionária da agência continua presa à sua função de eliminar as variantes em nome de uma suposta estabilidade exigida por alguma entidade superior, o que leva Sylvie a fugir para o Vazio em busca da ajuda de Loki e de respostas sobre “o homem por trás da cortina” – ela entende que, para além do fim dos tempos, haveria a dimensão de refúgio desse ser que opera diferentes linhas temporais e realidades. Mesmo mantendo suas funções, Renslayer se vê em um conflito interno que ainda pode ser ampliado no último episódio: continuar cumprindo suas funções praticamente de forma dogmática (algo que a narrativa sugere sutilmente com um subtexto religioso) ou buscar esclarecimentos para seus próprios questionamentos acerca da fundação da AVT (uma procura por respostas basicamente movida pela frustração de ter sido enganada por tanto tempo).
Embora as cenas na AVT sejam importantes, o centro narrativo é a dinâmica de Loki com suas outras versões no Vazio. Tom Hiddleston está tão seguro com uma personagem que já domina há algum tempo que consegue dar a ela nuances que a diferenciam dos demais Lokis (por sinal, aparecem outros além dos quatro primeiros vistos inicialmente). O protagonista não se resume ao senso de sobrevivência presente em Kid Loki, Loki clássico, Boastful Loki e Loki jacaré, pois pretende superar o monstro Alioth e escapar do limbo; além disso, contesta o papel atribuído ao deus da trapaça sempre girar em torno de sobreviver, enganar, almejar mais poder e criar planos fracassados, por exemplo no diálogo em que todas essas cinco versões conversam sobre suas vidas. Logo, o principal Loki está cada vez mais descontente com sua imagem tradicional, o que pode ser observado na caótica e hilária sequência de ação em que vários Lokis se enfrentam querendo trapacear para ser o mais poderoso (até no fim dos tempos).
O roteiro de Michael Waldron tem o mérito de tratar o Vazio de diferentes maneiras. Há a imaginação de compor um universo distinto daqueles apresentados até então, a diversão de acompanhar a interação cômica entre os Lokis (cada um deles dono de uma personalidade particular, inclusive o jacaré, este um destaque à parte captado pela câmera de Kate Herron) e ainda o drama romântico da relação entre Loki e Sylvie. A série tem o costume de construir momentos que desenvolvem os arcos dramáticos das personagens centrais, como mais uma vez se vê no diálogo entre Loki e Sylvie, no qual o romance entre eles se aproxima cada mais da concretização e projeta um futuro mais promissor. Na altura em que a produção se encontra, tais cenas consolidam o envolvimento emocional com as personagens, como fica perceptível nas ocasiões em que Mobius interage com Loki e Sylvie, especialmente o afeto demonstrado pelo agente da AVT a quem ele antes apenas perseguia.
Desde o lançamento de “Loki“, o contraponto entre ordem e caos já havia se estabelecido em todas as dimensões de comédia, ficção científica, drama e ação que preenchem a obra. E em “Jornada ao mistério“, a dualidade define o embate que se materializa entre Loki/Sylvie e o vilão ainda desconhecido que comanda a AVT: a ordem pode ser entendida como a opressão de um ser que controla inúmeras vidas e escreve o destino de todos ao seu bel-prazer, já o caos pode significar a liberdade almejada por aqueles que querem retomar o controle sobre sua própria existência e reescrever o sentido de suas vidas. Nesse sentido, a sequência de ação que encerra o episódio vai além da ampliação do universo da série e da representação das referências ao universo Marvel, pois ela propõe a abertura de um mundo novo de possibilidades para personagens, filmes do MCU e abordagens. E, claro, de forma mais imediata para as expectativas para a conclusão dessa série.
Um resultado de todos os filmes que já viu.