“LOKI” [1X04] – Liberdade ou controle?
Para alguns espectadores o terceiro episódio de LOKI foi frustrante. A trama avançou menos do que certas expectativas e o desenvolvimento das personagens não teria suficiente para agradar. Mesmo que se possa discordar dessa recepção fria, “Evento nexus” parece querer se defender de eventuais novas críticas nesse sentido, entregando uma narrativa ágil, repleta de revelações, reviravoltas para o universo da série e mais etapas na progressão do protagonista. O quarto capítulo busca cada um dos aspectos citados ao mostrar como Loki e Sylvie são capturados pela AVT e levados de volta para a agência, onde provavelmente serão “podados” e eliminados da Linha do Tempo Sagrada. Porém, a paranoia toma conta do local e os funcionários passam a questionar as certezas do seu trabalho.
Anteriormente, as referências a produções clássicas da ficção científica serviam para contextualizar a obra, traçar paralelos visuais e sugerir possibilidades dramáticas futuras. Dessa vez, a narrativa incorpora diretamente características que remetem ao livro e ao filme “1984” na atmosfera instalada na AVT com a volta de Loki e Sylvie do planeta Lamentis. A sensação de uma instituição superpoderosa controlar cada passo dos indivíduos sob a alegação de que se trata de uma necessidade para estabilizar a sociedade atinge uma escala maior e mais opressiva, retirando o livre arbítrio e moldando que tipo de vida seria permitida ter. Os deuses nórdicos são os primeiros a se dar conta do fato, fazendo com que a resistência que oferecem ao status quo crie dúvidas em Mobius e na agente B-15 – há um clima de suspeita crescente e palpável que faz essas duas personagens desconfiarem de estar vivendo uma mentira, tendo sido retiradas da existência real que tinham antes da AVT.
É interessante perceber, então, como a construção estética do seriado é ressignificada para além da caracterização das locações como um ambiente burocrático fantasioso. Conforme os acontecimentos se desenrolam, o design de produção e a fotografia evocam cada vez mais a sensação autoritária de controle, de restrições da liberdade e de um comando com mão pesada por parte de figuras enigmáticas e de um discurso supostamente necessário de estabilidade ou ordem. A iluminação predominante em tom sépia torna os espaços da AVT melancólicos e sem vida, como se sentimentos não fossem tolerados ali e até interpretados como uma ameaça aos planos dos Guardiões do Tempo; e traços do cenário representam um autoritarismo aparentemente sutil que é absorvido pelos funcionários, como o lema “Para todo o tempo e sempre” em cima da fotografia de um homem de fisionomia bastante sugestiva – tais aspectos se assemelham ao papel desempenhado pelo Grande Irmão em “1984“.
Se a roupagem e as ações da agência visam ao domínio e à fiscalização cerceadora, os demais elementos do capítulo buscam à liberdade e à fluidez de novas possibilidades. Em especial, é a impressão deixada pelo desenvolvimento dos conflitos dramáticos de Loki após a convivência com Sylvie e o retorno à AVT sob outras circunstâncias. Enquanto os dois deuses ainda estão em Lamentis, a interação entre eles potencializa a discussão filosófica já apresentada a respeito do que é ser Loki ou qual propósito maior um Deus da Mentira e da Trapaça pode ter. E nas dependências da AVT, ele se vê provocado a lidar com a própria solidão que já sentia, quando é punido por Mobius a reviver memórias negativas e fica preocupado com a segurança de Sylvie. Combinando cada uma dessas situações, o protagonista chega a um momento de culminância bastante tocante, quando enfim tenta revelar seus sentimentos genuínos, mas é bruscamente interrompido.
Da mesma forma que a evolução narrativa de Loki nega o controle autoritário, o fluxo dos acontecimentos também cumpre a função de questionar qualquer sinal de domínio, imposição e autoritarismo. Dessa vez, não é possível dizer que a trama avança pouco, já que as reviravoltas, as quebras de expectativas e os redirecionamentos dos conflitos acontecem em uma escala considerável – vale destacar como as sequências de ação são capazes de surpreender o público, levando Mobius e Loki para rumos não tão previsíveis. Além disso, cada cena se desdobra no sentido de demonstrar como a busca pelo controle total é uma farsa, que se impõe através de mentiras, violência e perdas – o arco de Sylvie é mais detalhado e ajuda a compreender o sofrimento que a falta de liberdade gera, assim como o arco envolvendo os Guardiões do Tempo e Ravonna demonstra o turbilhão de segredos opressivos ainda a serem decifrados para compreender a lógica por trás da criação da AVT.
Ao atingir o clímax, “Evento nexus” ressignifica a dualidade entre ordem e caos já evidenciada nos episódios anteriores para tratar da oposição entre liberdade e controle. Nesse sentido, é poderoso perceber como a ficção científica e a fantasia são apropriadas para retratar essas sensações antagônicas. A distopia é tratada como opressão de vidas interditadas e obrigadas a seguir rumos pré-determinados e a história de super-heróis é encenada como uma possibilidade do escape para mundos sem regras rígidas. Assim, a fantasia pode tanto sugerir a presença de vilões trabalhando nos bastidores quanto apresentar universos ainda inexplorados que se abrem para um futuro pleno de possibilidades. Como símbolo evidente da luta por libertação, a cena pós-crédito é uma das mais coerentes do MCU por ampliar o universo que a Marvel ainda pode trilhar.
Um resultado de todos os filmes que já viu.